A visão é de Vinícius Botelho, da equipe de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio.
Botelho vem estudando o assunto. Como todos sabem, quando Ben Bernanke, chairman do Fed, anunciou em meados do ano a possibilidade de iniciar gradualmente a redução das aquisições de títulos, a reação do mercado foi drástica: a taxa de juros de dez anos subiu aproximadamente 80 pontos base (0,8 ponto percentual), levando à forte depreciação de várias moedas de países emergentes, incluindo o real.
Em seguida, uma série de fatores contribuiu para acalmar os mercados, sendo que o principal foi o fato de que, na reunião do comitê de política monetária (FOMC, na sigla em inglês) de setembro, o Fed não iniciou, como se esperava, o chamado "tapering" - expressão em inglês que vem sendo usada para o processo de redução das compras de títulos.
Ficou, porém, o medo de que, quando o tapering de fato começar, a turbulência nos mercados possa voltar, talvez até em maior grau. Botelho acha que não: "Na minha opinião, essa interpretação tem muito mais elementos de estresse pós-traumático do que fundamentação em fatos", diz o economista.
O economista nota que o atual programa de compra de ativos, considerado a terceira etapa do "afrouxamento quantitativo" (QE3, na abreviação em inglês) do Fed, foi o único sem limites, e por isso mesmo foi apelidado de "QE-Infinity" pelo mercado. Ele acrescenta que "o anúncio do começo do fim do programa possivelmente indicou que ele terminaria muito antes do que o mercado estava precificando".
Ora, o início prematuro (na comparação com a expectativa anterior do mercado) do tapering significa menos demanda adiante por títulos do Tesouro. Por isso, o preço tende a cair, e a rentabilidade a subir.
Analisando quatro pesquisas da Bloomberg de expectativas de economistas sobre o nível de compra de Treasuries até o fim do programa (que, depende, claro, de quando começa o tapering e de como ele vai evoluir), realizadas de agosto a outubro, Botelho fez uma conta simples. Entre 6 e 20 de setembro, a expectativa de compras (só de Treasuries, o cálculo não inclui os títulos hipotecários que também fazem parte do programa) aumentou em US$ 130 bilhões, já que o mercado jogou para a frente a sua previsão de início do tapering. A queda da rentabilidade dos Treasuries no mesmo período, porém, diante da perspectiva dessa enxurrada adicional de demanda, foi de apenas 0,15 pontos base - muito menor do que a pancada inicial quando Bernanke falou da possibilidade de início do processo.
O segundo passo da análise de Botelho é sobre o prêmio de risco dos títulos do Tesouro americano de dez anos, que podem ser calculados a partir do mercado futuro destes papéis. O prêmio de risco é a rentabilidade adicional que o mercado cobra por títulos do Tesouro de maturidade mais longa em relação às expectativas sobre as taxas de juros que vigorarão. Assim, a rentabilidade dos Treasuries de dez anos supera a expectativa da taxa de juros efetiva do mesmo prazo exatamente pelo montante do prêmio de risco.
O argumento principal do economista do Ibre é que os programas de afrouxamento quantitativo mexem com o prêmio de risco, e não com a expectativas sobre as taxas de juros efetivas. Com cálculos feitos a partir de dados do mercado futuro e estimativas do próprio Fed, pode-se notar que o prêmio de risco dos títulos de dez anos foi comprimido pelos sucessivos programas de QE.
No caso do episódio de meados deste ano, em que aconteceu o grande salto da rentabilidade dos Treasuries, os dados e estimativas analisados por Botelho mostram que houve também um salto do prêmio de risco dos títulos de dez anos de cerca de 100 pontos base, de 50 para 150, que é um nível muito próximo da média histórica entre 2003 e 2007.
Assim, em resumo, a visão do economista é de que a correção do prêmio de risco já foi realizada, levando à alta da rentabilidade dos Treasuries de dez anos a partir de maio. Já a expectativa para os juros efetivos de longo prazo permaneceram relativamente estáveis durante todo esse processo, e não há razões visíveis para que mudem no médio prazo. Ele não nega que pode haver oscilações, mas com tendência de volta às médias históricas.
O economista do Ibre conclui indicando outros fatores que devem contribuir para conter as taxas longas nos Estados Unidos: as incertezas geradas pelo fechamento temporário do governo por causa do impasse fiscal e a penosa evolução do mercado de trabalho. Botelho observa que, desde meados do ano, a expectativa de início do tapering foi empurrada de setembro passado para março de 2014, e acrescenta que "o viés é de que seja ainda mais adiado, e não de que seja antecipado'.
Fernando Dantas é jornalista da Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)
Esta coluna foi publicada originalmente na AE-News/Broacast