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Economia e políticas públicas

Opinião|O PT e a Venezuela

Ao apoiar Maduro, PT atiça as chamas de radicalismo e polarização que levaram a Jair Bolsonaro.

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Atualização:

Datada de 30 de abril, uma nota oficial do Partido dos Trabalhadores condena a "tentativa de golpe na Venezuela". No texto, o PT atribui a tal tentativa "à oposição da direita golpista e antichavista", que tenta "há anos derrubar o governo     democraticamente eleito do Partido Socialista Unido da Venezuela". Logo adiante, a nota diz que o regime bolivariano na Venezuela praticou durante anos "políticas voltadas ao bem-estar da população e contrárias à exploração imperialista e das elites locais".

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A nota é assinada por Gleisi Hoffmann, presidente do PT, Humberto Mota e Paulo Pimenta, respectivamente líderes do partido no Senado e na Câmara, e por Mônica Valente, secretária de Relações Internacionais. É, portanto, um posicionamento superoficial, endossado pela cúpula do PT.

Na balbúrdia - para usar uma palavra na moda - política em que o Brasil mergulhou desde a posse do governo Bolsonaro, essa nota petista sobre a Venezuela passou despercebida. Mas não deveria. Afinal, o PT é muito importante na arquitetura institucional do Brasil, ocupando o posto de principal partido de oposição ao governo, que administrou o país durante quase 14 anos.

Caracterizar como "tentativa de golpe" o que Guaidó tentou fazer na Venezuela há poucos dias é o menor dos problemas da nota oficial do PT. Na geleia caótica em que se transformou a Venezuela, é de fato difícil dar nome aos bois. Qualquer legitimidade do governo de Maduro é para lá de questionável depois de todos os golpes e manipulações de que lançou mão para manter seu poder. Ainda assim, vá lá que se chame de "golpe" a tentativa da oposição de derrubar o virtual ditador com o apoio do Exército. Está-se aqui mais no campo da semântica do que da ética.

Realmente péssimo na nota do PT é o apoio claro a Maduro, a condenação da oposição e, principalmente, o elogio às políticas bolivarianas que provocaram a pior destruição socioeconômica de um país não envolvido em guerra desde pelo menos o final da segunda guerra mundial.

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Sempre que se critica o apoio da esquerda brasileira ao chavismo, surgem argumentos como a boa relação dos Estados Unidos com a Arábia Saudita e sobre como a comunidade dos países, incluindo o Brasil, faz vista grossa para a ditadura chinesa.

Esse tipo de raciocínio não procede. Há um fator de proximidade que torna a posição sobre determinadas ditaduras mais graves do que outras. O PC do B tradicionalmente dá apoio à ditadura norte-coreana, o que é péssimo. Porém, ainda que a dinastia Kim, que domina o norte da península coreana desde o final da guerra civil do país, tenha perpetrado atrocidades incomparavelmente piores do que as dos militares brasileiros pós-64 (o que em nada reduz a culpa destes), para alguns escandaliza mais a admiração de Bolsonaro por Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado pela Justiça brasileiro por torturas praticadas durante o regime militar, do que alguma nota do PC do B em apoio à Coreia do Norte.

Esse fator proximidade vai além do mero efeito da distância, pelo qual a morte do vizinho nos afeta mais do que a de 100 seres humanos num país longínquo. Na verdade, a proximidade traz a cumplicidade real ou potencial. A influência da militância do PC do B nas matanças e horrores da Coreia do Norte é perto de inexistente, enquanto Bolsonaro é jovem demais para ter participado do pior da repressão nos anos de chumbo, mas dá a este grupo um apoio entusiástico e eficaz num momento em que as feridas abertas pela ditadura ainda estão longe de cicatrizadas.

É por isso que o apoio do principal partido da oposição brasileira a Maduro é ainda mais grave, por exemplo, do que o tradicional beneplácito petista em relação à ditadura de Cuba (o que não quer dizer que não seja uma postura muito errada). Cuba é uma situação consolidada há décadas e cujos desdobramentos futuros, na verdade, afetarão muito pouco o Brasil.

Já a Venezuela é um gigantesco desastre pulsante na nossa fronteira. Para além da questão das levas de imigrantes venezuelanos que o Brasil vem recebendo, a destruição do país por um regime tirânico e loucamente incompetente faz parte de uma onda de populismo latino-americano de esquerda iniciada na década passada, na qual o PT fez questão de embarcar - pelo menos no nível do discurso -, quando teria tudo para se diferenciar.

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Muitos do que votaram em Bolsonaro alegam ter tido medo de que uma eventual vitória do PT "transformasse o Brasil numa Venezuela".

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Pessoalmente, acho esse argumento um exagero. Mas a questão aqui não é tanto a veracidade, mas a verossimilhança. Em escala muito menor, o PT no Brasil praticou políticas econômicas intervencionistas desastrosas e atacou sistematicamente instituições que representariam "o interesse das elites", em oposição aos do povo, como a imprensa e o Judiciário.

O temor, mesmo infundado, de que, na sua eventual volta ao poder, o PT enveredasse pela trilha chavista compõe o contexto no qual milhões de brasileiros não radicalizados - que provavelmente nunca tinham ouvido falar de Olavo de Carvalho - votaram em Bolsonaro.

Quando o principal partido de oposição no Brasil dá as mãos a Maduro, atiça as chamas de radicalização que nos levaram ao momento atual, cujo exemplo recente mais grotesco são as diatribes insanas dos olavistas e dos filhos do presidente.

O PT se transporta do mundo anterior, em que fazia às vezes do protagonista de esquerda, ou centro-esquerda, contra os tucanos de centro, ou centro-direita, para o universo politicamente distópico da extrema-direita e da pior esquerda populista, em que ambos os lados se comprazem em disputar a primazia no grau de radicalidade e alucinação.

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Pode ser até que faça sentido, taticamente, para o PT. Mas é péssimo para o País.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast

Esta coluna foi publicada em 7/5/19, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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