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Economia e políticas públicas

Opinião|O que é bom para a Ásia é bom para o Brasil?

Conversa com Samuel Pessôa sobre política industrial, tendo em vista a nova literatura acadêmica que indica que ela ajudou a decolagem dos tigres asiático.s

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Atualização:

O debate sobre política industrial nunca sai totalmente do palco da discussão econômica, mas recentemente parece ter entrado numa fase mais quente. Aqui neste espaço, na quarta-feira (8/1), comentei o trabalho dos economistas Raphaël Franck e Oded Galor que mostra que regiões da França que se industrializaram mais cedo, em meados do século XIX, eram em média mais atrasadas (em relação ao resto do país) no início do século XXI.

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O estudo poderia indicar, como especulam os autores, que não é a indústria em si que puxa o crescimento econômico, mas sim determinados fatores que levaram os países a se industrializarem.

Já pesquisadores com inclinação a privilegiar o papel da indústria apontam, com razão, que o trabalho de Franck e Galor não é conclusivo para esse debate. Ele pode simplesmente mostrar que regiões que se aferraram ao sistema produtivo do início da revolução industrial, intensivo em mão de obra pouco qualificada, tiveram dificuldade de se adaptar a modelos mais ligados a capital humano de alta qualidade.

Um outro ponto contencioso entre os economistas, no tema da política industrial, são os bem-sucedidos países do Leste Asiático, que lograram sair da armadilha da renda média (isto é, evoluíram, ou estão evoluindo, deste estágio para o nível de renda elevada dos países ricos).

Boa parte desses países praticou política industrial, isto é, o governo incentivou e subsidiou setores específicos da economia, normalmente industriais (mas não necessariamente; "industry" em inglês significa setor, e a expressão "industrial policy" tem uma conotação mais generalista do que a forma como "política industrial" soa em português).

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O economista Samuel Pessoa, do Ibre/FGV e sócio do Julius Bäer Family Office, explica que uma literatura acadêmica recente vem apontando que a política industrial dos países do Leste Asiático pode efetivamente ter contribuído para o desenvolvimento acelerado destas economias.

Antes de entrar em contato com essa literatura, Pessoa tendia a pensar que a inegável prática de política industrial por aqueles países (o exemplo mais discutido é a Coreia do Sul) teria sido neutro, ou até levemente prejudicial, em relação ao crescimento. O economista considera que os elementos principais do sucesso asiático são alta poupança, muito estudo e disposição de trabalhar, disciplina fiscal e outros itens do cardápio de uma visão ortodoxa de economia.

Entretanto, como já mencionado, há alguns trabalhos recentes que indicam que a política industrial foi eficaz nos países do Leste asiático. Para entender a forma como Pessoa avalia essa evidência, é preciso recuar ao ponto de partida da decolagem de países asíáticos, como os anos 60 no caso da Coreia. Eram países que tinham muita poupança, ou que estavam em processo de aumentá-la velozmente, e que estavam empreendendo grande esforço de dotar a população, até então muito pouco educada, de educação de alta qualidade.

Havia, portanto, uma mudança muito rápida na dotação de fatores de produção que, segundo a teoria econômica desde David Ricardo, determina a especialização produtiva de um país. De economias com abundância de mão de obra pouco qualificada e relativamente pouco capital, essas nações estavam se transformando, ao longo de algumas décadas, em sociedades com muito capital humano de alta qualidade (pela educação) e muito capital (pela poupança).

Nesse contexto de mudança rápida de fatores, que condiciona mudança rápida da estrutura produtiva, pode haver problemas de coordenação entre setores. Esses problemas criariam "elevados custos de transação" para a transformação econômica em curso. Nesse caso, uma política industrial que facilite a coordenação necessária à mudança faz sentido, segundo o economista.

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Porém, para que ocorra essa situação em que a política industrial se justifica, são necessárias duas condições. Primeiro, que de fato haja a mudança rápida dos fatores de produção. Segundo, que exista uma burocracia estatal de alto nível, e relativamente insulada dos grupos de interesse, para implementar a política industrial.

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No caso do Brasil e da América Latina ao longo da segunda metade do século XX (quando várias experiências de política industrial resultaram em fracasso), a primeira condição não existia, na visão de Pessoa. A poupança era baixa e permaneceu baixa (não quer dizer que não tenha havido flutuações) e o avanço educacional foi bem mais lento do que no Leste Asiático. Na América Latina, não se saiu de pouco capital físico e pouco capital humano qualificado para a situação inversa em poucas décadas.

Dessa forma, segundo Pessoa, o que se tentou no Brasil e na América Latina foi "gerar artificialmente uma estrutura produtiva incompatível com a dotação de fatores".

Já no Leste Asiático, a política industrial "reduziu o custo de transação do ajuste das economias a uma nova dotação de fatores".

Certamente, não são argumentos que vão encerrar o debate sobre política industrial. Mas é sempre bom ter em mente que aquilo que dá certo num lugar não necessariamente reproduz o mesmo sucesso em outro, com características muito diferentes.

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Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 10/1/20, sexta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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