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Economia e políticas públicas

Opinião|Para que um banco dos Brics?

É extremamente curioso que a abreviação Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), criada por um participante do mercado financeiro, o inglês Jim O'Neill, tenha redundado na formação de um grupo real entre esses países, ao qual foi acrescentado a África do Sul, que transformou o conjunto em Brics (com o 's' de South Africa).

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Atualização:

Desde o início das articulações, ficou claro para os observadores que esses grandes países emergentes tinham raízes históricas e interesses geopolíticos distintos demais para que agissem de fato como um bloco no concerto das Nações. Ainda assim, a interação prosseguiu, e talvez a principal liga seja negativa: nenhum deles pertence ao poderoso grupo dos países mais ricos, mas o peso de cada um dos Brics na economia global, e ainda mais do conjunto, faz com que busquem reforçar suas respectivas influências nos assuntos mundiais.

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É preciso, entretanto, produzir fatos concretos, para que toda a iniciativa não caia no vazio e se enfraqueça. E parece que o projeto do banco de desenvolvimento dos Brics é o item mais substancial do menu de ações possíveis.

Não é nada trivial, entretanto, criar um banco de desenvolvimento desse tipo que faça sentido econômico. O economista Mansueto Almeida, do Ipea, aponta uma delicada questão inicial. Enquanto a China esbanja uma poupança gigantesca, e pode capitalizar uma instituição desse tipo tranquilamente, o Brasil é, ao contrário, um país de baixa poupança, e que já está pressionando suas contas públicas para financiar o seu próprio banco de desenvolvimento, o BNDES.

Assim, a parte da capitalização do banco que cabe ao Brasil terá de ser feita, como no caso do BNDES, com aumento de dívida. O capital inicial do banco de desenvolvimento dos Brics está previsto em US$ 50 bilhões. Teoricamente, a China poderia entrar com mais dinheiro. Porém, neste caso, ela certamente também iria demandar mais poder.

Outra dúvida levantada por Almeida é referente a como será a governança do novo banco. Ele nota que as atuais instituições financeiras multilaterais, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bird), têm regras muito rígidas, trabalham com transparência e possuem corpos técnicos altamente capacitados.

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"Para fazer um grande empréstimo, como, por exemplo, para um Estado brasileiro, esses bancos enviam missões para fazer levantamentos, produzem relatórios, contratam consultores locais, tem condições duras de governança e garantia e geralmente reservam uma parcela para ser gasta com avaliação do projeto", diz o economista.

Ele se pergunta se o banco de desenvolvimento dos Brics terá os mesmos padrões rigorosos de governança. Almeida lembra que, institucionalmente, a situação nos países que formarão a nova instituição não é exatamente promissora para a criação de uma instituição financeira desse tipo.

No caso brasileiro, o BNDES é uma instituição altamente respeitável, mas fez uma série de operações polêmicas nos últimos anos. Já a China tem um sistema financeiro conhecido pela falta de transparência e por estar submetido ao arbítrio do governo. A Rússia está longe de ser um exemplo de governança pública e a Índia não tem nada parecido com os bancos de desenvolvimento da China e do Brasil.

Almeida acha provável que, no final das contas, um banco de desenvolvimento dos Brics seja forçado a seguir padrões tão rigorosos quanto os de outras instituições multilaterais. Neste caso, porém, pode se tornar um pouco redundante, especialmente para um país, como o Brasil, que já tem dificuldades fiscais em financiar o seu próprio banco de desenvolvimento.

Fernando Dantas é jornalista da Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

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Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast em 15/7/14, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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