A celebração dos 80 anos de Affonso Celso Pastore, realizada ontem, em seminário no Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP), em São Paulo, foi também a comemoração do rigor intelectual e do uso correto de dados e números para enfrentar os problemas econômicos.
Quase todos os conferencistas bateram nessas teclas, que são a marca da vida acadêmica e pública de Pastore.
Marcos Lisboa, presidente do Insper, foi o primeiro a falar e introduziu um tema sobre o qual muito se falou durante o seminário - como, nos anos 50, quase como por acidente do destino, em tornos de pesquisadores como a historiadora Alice Canabrava e o estatístico Luiz de Freitas Bueno, criou-se na USP uma escola de economia ligada ao que havia de mais moderno na pesquisa fora do Brasil, e com paixão pelo rigor teórico e, principalmente, pela comprovação empírica.
Foi nesse ambiente, no qual despontaram expoentes como Delfim Netto e José Roberto Mendonça de Barros, que Pastore iniciou a sua jornada como economista, que o levou a uma passagem pelo governo nos anos 80, como presidente do Banco Central, e a se tornar um dos mais respeitados consultores econômicos do País ao longo de várias décadas.
Samuel Pessôa, sócio e economista-chefe da gestora Reliance, e pesquisador associado do Ibre/FGV, recordou a tese de doutoramento de Pastore, na qual o economista mostrou, com base em pesquisa de dados, que a tese cepalina de que a produção agrícola tradicional não reagia aos preços estava errada.
José Júlio Senna, especialista em política monetária do Ibre/FGV, rememorou a passagem de Pastore pelo BC de setembro de 1983 a março de 1985, e sua frustração de comandar a autoridade monetária com uma inflação anual de 200%, numa conjuntura de crise externa aguda e reservas internacionais zeradas. Foi um momento de apagar incêndios, em que não havia espaço nem instrumentos para tentar controlar a inflação.
Senna vê muito da pesquisa posterior de Pastore como ligada a essa frustração no governo, sendo que boa parte das contribuições está condensada no livro "Inflação e Crises - Papel da Moeda", publicado por Pastore em 2014.
O seminário também teve uma parte temática sobre política fiscal e monetária. Edmar Bacha, da Casa das Garças, "think tank" no Rio, sugeriu uma mudança na contabilidade fiscal, para que o custo de carregamento dos ativos do governo seja considerado gasto primário, e não com juros. Arminio Fraga, sócio-fundador da gestora Gávea, e ex-presidente do BC, fez a sugestão polêmica de que, na formalização da independência do Banco Central, haja um objetivo secundário (subordinado ao controle da inflação) de suavização do ciclo econômico. E Ilan Goldfajn, recém-saído da presidência do BC, recordou alguns princípios básicos que foram postos em práticas na sua gestão, como o de ancorar as expectativas inflacionárias antes de flexibilizar a política monetária.
A última parte do seminário, a mais tocante, foi de depoimentos pessoais sobre Pastore. Carlos Geraldo Langoni, ex-presidente do BC e diretor do Centro de Economia Mundial (FGV), recordou-se do apoio e da participação de Pastore no seu (de Langoni) seminal trabalho, do início da década de 70, demonstrando que a piora na distribuição de renda no Brasil estava ligada à desigualdade educacional.
Celso Lafer, ex-ministro das Relações Exteriores e Professor Emérito da USP, rememorou os entrelaçamentos da caminhada intelectual dele e de Pastore, que se conheceram como alunos do Colégio Dante Alighieri em São Paulo. E Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, concluiu os depoimentos fazendo a ligação com o início do seminário, com recordações dos tempos heroicos da USP dos anos 50, quando um jovem grupo de pesquisadores nadava contra a corrente ao trazer números e rigor metodológico ao mundo de muitas narrativas e poucas comprovações que caracterizava as ciências sociais e até a economia no Brasil à época.
O seminário do CDPP de celebração dos 80 anos de Pastore vai se desdobrar num livro, com o conteúdo das apresentações e debates, e algumas colaborações adicionais.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 7/6/19, sexta-feira.
O colunista deixa de publicar suas colunas no período de 10/6 a 25/6, voltando a publicar em 26/6.