A tensão geopolítica na Ucrânia, que já levou hoje (23/2) o governo alemão a suspender a autorização para o gasoduto Nord Stream 2, também põe lenha na fogueira da pressão no mercado global de petróleo, segundo recém-publicado comentário de Herman Wang, editor-gerente da S&P Global Platts, plataforma de informações e análises sobre commodities do grupo Standard&Poor's.
O pano de fundo da análise é a aliança, que já tem cinco anos, entre a Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP) e a Rússia. A chamada OPEP+ reúne os 13 membros da organização e mais dez dos maiores produtores de petróleo que não pertencem à OPEP, como a Rússia, e é responsável por cerca de metade da oferta mundial de petróleo, segundo Wang.
A aliança entre a OPEP, a Rússia e mais nove países surgiu em 2016, após três anos de queda do preço do barril.
Com a demanda global por petróleo rumando para níveis pré-pandemia, os participantes da OPEC+ vêm aumentando suas cotas, mas a produção efetiva já tem ficado aquém das cotas. Em janeiro, segundo relatório da S&P Global Platts, a produção ficou 600 mil barris/dia abaixo do estipulado pelas cotas.
Segundo Wang, "essa defasagem tende a crescer, com muitos membros estrangulados pelo declínio de campos maduros, estrutura petrolífera instável e êxodo de investimentos do setor e distúrbios sociais".
Em janeiro, a Arábia Saudita e a Rússia foram os maiores produtores de petróleo, com 47,8% da produção da OPEC+, parcela dividida exatamente ao meio pelos dois países, cada um com 23,9% ou 10,08 milhões de barris por dia.
De acordo com as estimativas da S&P Global Platts, a Rússia pode exaurir os 320 mil barris diários que lhe sobra de capacidade ociosa até meados do ano, na toada de aumento de cotas que vem ocorrendo. Até outubro, o acordo da OPEC+ prevê que a Rússia atinja a produção diária de 11 milhões de barris, um nível do qual o país nunca se aproximou.
Se e quando isso ocorrer, o aumento da demanda teria de ser suprido basicamente pela Arábia Saudita e pelos Emirados Árabes Unidos (UAE, na sigla em inglês mais empregada internacionalmente). Nesse contexto, escreve Wang, "a utilidade do país [Rússia] em ajudar a OPEP a equilibrar o mercado pode acabar".
Segundo uma fonte da OPEP citada pelo especialista, a Rússia provavelmente não gostaria da ideia de que os países da OPEP+ com mais capacidade ociosa aumentem suas cotas enquanto aqueles em situação contrária não têm condições de fazer o mesmo.
Já os Estados Unidos e outros grandes consumidores, como a Índia, estão justamente pressionando a OPEP+ para aumentar a produção, com o barril já se aproximando de US$ 100.
Nessa situação já complicada, as sanções ocidentais contra a Rússia, por conta de uma eventual invasão efetiva da Ucrânia (a coluna foi escrita antes da concretização da invasão hoje, 24/2), poderia prejudicar as exportações de petróleo russas e reduzir ainda mais a capacidade de o país acompanhar os aumentos de cotas.
Por outro lado, uma possível razão para a OPEP e a Rússia acertarem suas potenciais diferenças é o setor de petróleo e gás de "shale" dos Estados Unidos, que dá sinais de retomada com o barril nas alturas.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 23/2/22, quarta-feira.