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Economia e políticas públicas

Opinião|Pilares do bolsonarismo estão rachando

Bolsonaro vive seu pior momento, com uma combinação de efeitos catastróficos da pandemia e da economia. Tudo é agravado pelas reações cada vez mais insanas do presidente, como um imperador romano enlouquecido. O bolsonarismo se aproxima do abismo e leva junto a Nação brasileira.

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Atualização:

Todos os alicerces do projeto bolsonarista de poder parecem estar rachando simultaneamente.

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É, sem dúvida, o pior momento até agora do governo de Jair Bolsonaro, e, pela primeira vez, desenha-se um risco real de que o presidente chegue ao último ano do seu mandato como um "pato manco"  - isto é, com baixa chance de reeleição e, portanto, esvaziado do protagonismo político.

Os atores relevantes não falam agora em impeachment, mas é bom também colocar no tabuleiro o risco de mais um mandato interrompido.

Fique claro que se falou em riscos, não certezas. O jogo ainda está em andamento e muita água vai rolar debaixo da ponte até a eleição de 2022. O bolsonarismo tem uma sólida base social de 15% a 20% do eleitorado e a situação sempre pode virar. Mas o presidente passa por um momento crítico.

Em termos da pandemia, a segunda onda vem transformando o Brasil inteiro no cenário infernal de Manaus na virada do ano.

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E, crescentemente, como mostram as pesquisas de opinião, a população joga o maior quinhão de culpa pela catástrofe, de forma acertada, em Bolsonaro.

A isso se soma um nível cada vez mais patológico de insanidade presidencial, como se Bolsonaro fosse a reencarnação moderna de césares loucos como Nero e Calígula.

O presidente insiste em sabotar de todas as formas possíveis os esforços para frear a mortandade, como fez sistematicamente desde a chegada da Covid-19 ao Brasil.

Forçado pelo Centrão, que se tornou um inusitado "adulto na sala", Bolsonaro fez uma troca de seis por meia dúzia no comando do Ministério da Saúde, mas ainda luta na justiça contra as medidas de lockdown de governadores e prefeitos, usando o potente alcance da voz presidencial para tentar ridicularizar e minar o isolamento social.

Bolsonaro e os militares que dominam o seu governo relevaram toda a proverbial obtusidade dos seus cálculos e ações ao desdenharem e rejeitarem no ano passado ofertas de vacinas na suposição de que os laboratórios estavam blefando quanto à óbvia e gigantesca demanda que estava por vir.

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Assim, o exército da vacinação não vai chegar a tempo de salvar dezenas de milhares de vidas nem tampouco a economia no primeiro semestre.

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Como apenas pessoas de baixíssima inteligência costumam fazer, o presidente, com a sua antigestão da pandemia, está destruindo a recuperação econômica que alega tentar preservar.

A fúria da segunda onda criou um cenário econômico de pesadelo que nem os mais pessimistas anteviram no final do ano passado.

O PIB deve cair no primeiro semestre - segundo o Ibre, recuo de 0,5% tanto no primeiro trimestre quanto no segundo -, a inflação em 12 meses vai ultrapassar 7% em meados do ano e o Banco Central se viu obrigado a dar um tranco para cima nos juros em meio à terra arrasada na atividade econômica e no mercado de trabalho.

Em termos sociais e fiscais, o pior dos mundos já chegou. O pico da pandemia este ano está muito pior do que o do ano passado. Ainda que não vá haver um lockdown nacional como o de março e abril de 2020, as circunstâncias sanitárias forçarão (ou já estão forçando) uma paradeira de grandes dimensões.

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De novo, milhões de informais enfrentam a escolha de Sofia entre definhar (junto com seus familiares) ou arriscar a vida (incluindo a dos familiares) no mercado de trabalho.

Só que agora o auxílio vai ser (até o momento) muito menor e para menos gente. Muitos que pegaram o benefício em 2020 não precisavam mesmo, mas quando se passa a tesoura sempre algum trigo vai junto com o joio.

Em suma, um grande contingente de trabalhadores desassistidos vai penar este ano. E mesmo o auxílio reduzido já está fragilizando a política fiscal ao ponto de ser um dos fatores da disparada do dólar, que vira inflação, que vira juro, que vira desaceleração. Que vira piora no emprego e na renda, e rebate naquelas mesmas pessoas.

Adicionalmente, a própria catástrofe sanitária e social põe pressão no sistema político para ampliar os benefícios, o que lança novas ondas de temor fiscal e aumento do risco país nos mercados, num círculo claramente vicioso.

Todo esse conjunto infernal de problemas conflui, é óbvio, para a popularidade presidencial, que caiu aos seus piores níveis desde o início do mandato de Jair Bolsonaro.

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É nesse cenário que Lula entra no palco, como o único personagem político até agora que conseguiu organizar minimamente e reger a cada vez mais potente orquestra do antibolsonarismo.

Não só Bolsonaro está perdendo apoio, como há agora alguém que se beneficia diretamente disso e sabe como ninguém explorar esse cacife.

O que nos leva de volta ao presidente. Bolsonaro costuma ser um péssimo presidente em qualquer estado psicológico, mas há sinais preocupantes de que o desespero intensifica seu côté demencial.

Para ser justo, a evidência é ambígua. É verdade que, em outros momentos difíceis, Bolsonaro, por exemplo, decidiu tentar montar um arremedo de base parlamentar se aproximando do Centrão - o que seria criticável em quase qualquer outro presidente, mas é um avanço para alguém que antes seguia orientações de falsos profetas de baixíssimo quilate como Olavo de Carvalho.

Acontece, porém, que a Covid-19 em particular parece despertar os piores instintos em Bolsonaro - mesmo considerando a feroz competição.

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À medida que a crise sanitário-econômica vai intensificando sua dramaticidade e o projeto de reeleição vai se comprometendo, há o risco de que o presidente resvale com mais furor para o populismo desavergonhado. A recente troca de comando na Petrobrás é um sinal nesse sentido.

Bolsonaro e seu projeto político se aproximam perigosamente do abismo, arrastando junto a Nação brasileira.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 19/3/2021, sexta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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