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Economia e políticas públicas

Opinião|Por que a inflação americana descolou?

Auxílios a famílias na pandemia fizeram inflação dos Estados Unidos subir 3 pontos percentuais a mais, se descolando da inflação de outros países ricos.

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Atualização:

O núcleo da inflação dos EUA subiu três pontos percentuais (pp) a mais por causa da política fiscal de apoio às famílias extremamente generosa durante a pandemia, fazendo com que a alta inflacionária norte-americana fosse significativamente mais alta do que a de vários dos principais países avançados. Essa é resumidamente a conclusão de recente estudo de um grupo de economistas - Òscar Jordà, Celeste Liu, Fernanda Nechio e Fabián Rivera-Reyes - do Fed (Federal Reserve, BC dos EUA) de São Francisco.

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Os pesquisadores mostram inicialmente que, no período anterior à pandemia, o núcleo da inflação ao consumidor dos EUA permanecia em torno de 1pp acima do mesmo indicador de um grupo de países da OCDE (Alemanha, Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Holanda, Noruega, Reino Unido e Suécia).

Segundo os economistas, essa diferença pequena para menos na OCDE deve-se ao fato de que muitos países daquele grupo tiveram dificuldade de elevar a inflação até as metas no período pós-crise global e durante a crise de dívida soberana na área do euro.

A partir do início de 2021, no entanto, a inflação norte-americana passou a divergir (para cima) de forma mais acentuada em relação à de outros países ricos. Enquanto nos EUA o núcleo do IPC (sigla para índice de preços ao consumidor) se elevou de 2% para 4% e se manteve alto ao longo de 2021, a alta nos países selecionados da OCDE foi mais gradual, de 1% para 2,5%.

Os autores mostram em seguida que a renda disponível per capita ajustada pela inflação subiu bem mais em 2020 e 2021 nos Estados Unidos do que no grupo de países da OCDE. A razão foram os supergenerosos programas de apoio financeiro às famílias durante a pandemia bancados pelo governo americano.

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O próximo passo, que é a parte central do trabalho, é uma análise econômica mais rigorosa utilizando a curva de Philips (na explicação dos autores, refletindo expectativas inflacionárias, inércia inflacionária e hiato do produto, isto é, capacidade ociosa) e a comparação entre um grupo "ativo" de países, que usaram políticas fiscais mais agressivas durante a pandemia, e outro "passivo", menos agressivo.

Como as medidas econômicas durante a pandemia - para reagir aos efeitos das quarentenas - distorceram muitos os indicadores tradicionais de emprego e desemprego, os autores deram preferência à renda real disponível nos seus cálculos.

O exercício permitiu aos economistas traçar uma trajetória contrafactual da inflação dos Estados Unidos sem os estímulos fiscais. Foi a partir dessa simulação que eles chegaram aos 3pp adicionais de inflação norte-americana causados pela política fiscal de apoio às famílias.

Uma questão interessante é se no Brasil, que no primeiro ano da pandemia também se destacou pela generosidade do auxílio emergencial em comparação com as medidas de outros países emergentes, o impulso fiscal também foi responsável por um adicional relevante de inflação, que hoje está acima de 10% no acumulado em 12 meses.

Em 2021, ano em que a inflação brasileira deu seu grande salto, entretanto, houve alguns meses iniciais sem auxílio, e, quando o programa voltou, foi numa dimensão muito menor. A resposta à pergunta acima depende, na verdade, de um trabalho econômico específico e cuidadoso.

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Sem, portanto, tentar respondê-la a priori, André Braz, economista da FGV especialista em inflação, observa que, em 2020, o auxílio emergencial de fato aumentou a demanda das pessoas mais pobres, que tiveram elevação de renda. Por outro lado, alguns fatores peculiares ao Brasil, como a crise energética, certamente explicam por que a inflação brasileira subiu tanto no ano passado, mesmo na comparação com boa parte dos outros emergentes.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 29/3/2022, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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