Fernando Dantas
01 de julho de 2019 | 17h33
A divulgação do RTI de junho deu mais munição para a corrente de economistas que defende corte da Selic já na reunião do final de julho, independente do que ocorrer com a reforma da Previdência até lá.
Bráulio Borges, da LCA e do Ibre/FGV, nota que, em todos os cenários do RTI, inclusive aquele com projeções do mercado para a Selic e o câmbio, o modelo do BC projeta IPCA abaixo da meta tanto em 2019 quanto em 2020.
Borges considera que o Copom já deveria ter iniciado os cortes da Selic na virada de 2018 e 2019, quando, com todo o corrente ano ainda por acontecer, as projeções já davam IPCA abaixo da meta, embora estivesse na meta para 2020.
Ele crê que o BC está atuando de forma a induzir a aprovação da reforma da Previdência, o que não faz parte do mandato da autoridade monetária.
“É uma atuação desviante, e não é coincidência que há três anos estejamos vivendo uma recuperação atipicamente lenta e frustrante da atividade econômica”, diz o analista.
Ele acrescenta que a inflação em 2019 vai ficar abaixo da meta pelo terceiro na consecutivo, o que arrisca a se repetir em 2020.
Borges nota ainda que o mercado de juros está sinalizando corte de 100 pontos da Selic e, ainda assim, inflação abaixo da meta tanto este ano como no próximo.
Segundo o economista, isto indica que “o mercado está desconfiado da retórica do BC”. O normal num regime de metas em bom funcionamento, para ele, seria que o mercado projetasse quedas da Selic suficientes para levar a inflação para a meta.
A LCA projeta Selic de 5,25% no final do ano, e permanecendo neste nível até o final de 2020.
Toda essa crítica à atuação do BC, entretanto, se dá num contexto em que os fatos estão levando a estratégia do Copom a se aproximar do que é cobrado pelos seus críticos.
As últimas trapalhadas políticas da trupe bolsonarista tornaram menos provável que a reforma da Previdência seja aprovada em primeiro turno antes do recesso parlamentar do meio do ano, mas esta possibilidade não está inteiramente descartada. Supondo que ocorra, o BC já poderia iniciar o corte da Selic na reunião de julho, como pregam os mais críticos à atuação da autoridade monetária nos últimos meses.
Se a primeiro votação da Previdência na Câmara ficar para depois do recesso, o BC poderá cortar a Selic na reunião de setembro (supondo correta a interpretação de que o Copom sinalizou que esta é uma pré-condição irremovível).
Mas há também quem ache que toda essa discussão é uma certa tempestade em copo d’água, como Samuel Pessôa, sócio e economista-chefe da gestora Reliance (e também do Ibre/FGV).
Pessôa admite a possibilidade de que o BC tenha errado na “sintonia fina” da política monetária, com a Selic podendo estar 0,5 ponto percentual a 1 pp além do ideal. Mas ele não tem certeza disso. “Para discutir essa sintonia fina, eu precisaria estar mergulhado 100% do meu tempo em política monetária, e não é o meu caso”.
O que importa mais, para o economista, é que ele não considera que um eventual erro do BC seja um fator muito relevante para explicar a frustração da retomada econômica.
“Talvez o PIB pudesse ter crescido 0,5 pp a mais, mas não creio que um eventual erro de política monetária seja o que impediu o Brasil de ter uma recuperação mais normal”, ele diz.
Pessôa vem trabalhando com o tema da retomada frustrante, que pode ter várias causas ligadas à oferta (na esteira da terra arrasada deixada pela nova matriz econômica) e até à demanda, mas Selic mais alta do que deveria ser, para ele, tem um papel bem pequeno (se tiver) neste quadro.
Adicionalmente, o economista apoia a ênfase que o Copom dá a uma eventual não aprovação da reforma da Previdência (ou aprovação de uma reforma muito diluída) como fator inflacionário.
“Entendo que essa condicionalidade é muito importante, porque a não aprovação significa que a sociedade escolheu não ajustar a política fiscal, e aí vamos para a inflação – é um cenário que pode gerar um impacto imenso sobre o câmbio”.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 27/6/19, quinta-feira