A dívida bruta brasileira como proporção do PIB deve encolher até o final do ano, o que talvez possa atenuar um pouco onervosismo em relação à fragilidade fiscal do Brasil, que pressiona o câmbio e a curva de juros.
A economista Vilma Pinto, pesquisadora licenciada do Ibre-FGV, estima que a dívida bruta recue de 89,1% do PIB no final de março para 86,3% ao fim de dezembro.
Essa projeção é mais otimista que a do Tesouro Nacional, que vê a dívida bruta fechando o ano em 87,2% do PIB, ainda assim inferior ao nível de março.
Vilma fez seus cálculos com bases nas projeções de variáveis fiscais e econômicas do Ibre, sendo que as primeiras são de responsabilidade do economista Matheus Rosa Ribeiro, que trabalha com contas públicas no think tank de políticas públicas da FGV.
O principal fator de recuo da dívida bruta como proporção do PIB em 2021 é o crescimento do PIB nominal, que é o denominador do indicador.
Pela estimativa do Ibre, o PIB nominal deve crescer 13,4% este ano. Isso deriva da combinação de uma expansão real da economia de 3,2% e de um deflator do PIB projetado em 9,9%.
O 'x' da questão reside justamente no deflator do PIB, que é uma espécie de inflação das contas nacionais (nos Estados Unidos, por exemplo, o deflator do PIB relativo ao consumo é o principal indicador de inflação para o Fed, banco central).
A alta de quase 10% do deflator do PIB prevista pelo Ibre está muito acima das projeções mais pessimistas de inflação ao consumidor no ano, que não ultrapassam um teto em torno de 6%.
A subida do deflator, por sua vez, está ligada à disparada da inflação ao atacado e produtor, na esteira da alta das commodities e de muitos bens intermediários. Nos 12 meses até abril (inclusive), o IGP-M, índice amplo que combina preços ao produtor (60%), consumidor (30%) e construção (10%), acumulou alta de 32,02%.
Nas contas de Vilma, o crescimento nominal do PIB em 2021 terá um efeito redutor na relação entre a dívida bruta e o PIB de 10,5 pontos porcentuais (pp).
No cálculo do Tesouro Nacional, esse efeito redutor cai para 8,2 pp, porque o deflator do PIB estimado é de 6,8%, menor que os 9,9% do Ibre. Como o crescimento real projetado pelo Tesouro também é de 3,2%, o crescimento nominal previsto para 2021 é de 10,2%.
A diferença entre o efeito redutor do PIB nominal na relação dívida bruta/PIB em 2021 do Ibre e do Tesouro é de 2,3 pp. Já a diferença entre a projeção de Vilma e do Tesouro para a relação dívida/PIB no final do ano é de 0,9 pp.
A razão para essa discrepância são as diferentes projeções do Ibre e do Tesouro de outros fatores que impactam a relação dívida/PIB, como o resultado primário e os juros pagos pelo setor público.
Nas contas de Vilma também está incluída a devolução de R$ 100 bilhões pelos bancos públicos ao Tesouro em 2021, dos quais R$ 38 bilhões (do BNDES) já foram devolvidos.
A pesquisadora nota ainda que é preciso recuar até 2010 para encontrar um impacto tão expressivo do crescimento do PIB nominal na relação dívida bruta/PIB como o de 2021.
Naquele ano, o PIB nominal cresceu 16,6% (com expansão real de 7,5%), e contribuiu para reduzir a dívida pública bruta em 7,4 pp, de 59,2% para 51,8% do PIB (entre dezembro de 2009 e o mesmo mês de 2010).
Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com.br)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 17/5/2021, segunda-feira.