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Economia e políticas públicas

Opinião|Redução de ociosidade? Onde?

Alguns economistas questionam visão do BC na ata da reunião do Copom de março, que justificou aumento de 0,75 ponto porcentual, para 2,75%, da Selic. Um dos pontos polêmicos é a análise da ociosidade na economia.

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Foto do author Fernando Dantas
Atualização:

Segundo a ata da reunião do Copom da semana passada, divulgada hoje (23/3, terça-feira), "(...) os dados de atividade e do mercado do trabalho formal sugerem que a ociosidade da economia como um todo se reduziu mais rapidamente que o previsto, apesar do aumento da taxa do desemprego".

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Há controvérsias. A menção aos dados do mercado de trabalho formal possivelmente se refere ao Caged, que de fato vem tendo resultados surpreendentemente bons.

Só que, como tem alertado o economista Bruno Ottoni, da IDados, é errado comparar - como vem fazendo o Ministério da Economia - os dados da nova série do Caged, que teve início em janeiro de 2020, com a antiga, encerrada em dezembro de 2019.

Em artigo divulgado hoje no Blog do Ibre, Ottoni explica que dados, fornecidos pelo próprio governo, usando a metodologia da série nova, mas relativos ao período de abril a dezembro de 2019, indicam que se está comparando bananas e maçãs.

Pela série antiga, foram criados 410,8 mil empregos formais em termos líquidos de abril a dezembro de 2019. Pela metodologia nova, 715.169, uma diferença de pouco mais de 300 mil postos de trabalhos formais.

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Em outras palavras, usar o Caged a partir de 2020 para aferir a ociosidade na economia não é adequado (caso seja daí mesmo que o BC tirou a conclusão da ata mencionada acima), porque não há como comparar com os anos anteriores.

Mas existem outros questionamentos sobre a avaliação de ociosidade na economia expressa na ata, tanto relativos à questão do Caged como a outras.

Bráulio Borges, economista-sênior da consultoria LCA e pesquisador associado do Ibre-FGV, nota que o Caged mede a demanda por trabalho formal, enquanto a PNAD Contínua mede a demanda e a oferta por trabalho de todos os tipos - o que é bem mais adequado para se avaliar a ociosidade no mercado de trabalho.

O economista Ricardo Barboza, professor da Coppead-UFRJ, acrescenta que, de acordo com uma série da PNADC retropolada por economistas da USP, o atual nível de desemprego dessazonalizado, de 14,7% no 4º trimestre de 2020 (último dado divulgado), é o mais alto desde 1976.

E isso sem falar das pessoas que estão fora do mercado de trabalho - isto é, não tem nem procuram emprego - porque estão em casa para não contrair Covid-19, mas que gostariam de trabalhar. Incluindo esse contingente, esse "desemprego sombra" vai para cerca de 20%.

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Barboza lembra que o desemprego estava em 11% em fevereiro de 2020 e as estimativas de "desemprego natural" entre 9% e 9,5% (ou até menos, para alguns economistas, por causa da reforma trabalhista).

Em outras palavras, pelo lado do mercado de trabalho, há enorme ociosidade, nessa visão.

Borges e Barbosa têm criticado a postura recente. que veem como excessivamente conservadora, do BC, e coautoraram um artigo sobre o tema no jornal Valor.

Em relação à taxa de câmbio, por exemplo, eles observam que a projeção do BC no cenário básico, que parte de R$ 5,7 e segue a paridade de poder de compra (PPP), levaria o dólar a R$ 5,95 no final de 2022.

O cenário básico supõe uma trajetória de Selic de mercado (relativa ao momento da reunião) pela qual a taxa básica se eleva para 4,5% em 2021 e 5,5% em 2022.

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Com esses parâmetros, o modelo do BC projeta IPCA de 5% este ano e de 3,5% (precisamente a meta) em 2022.

Os dois economistas frisam, porém, que, com o aperto monetário iniciado pelo BC de forma agressiva - elevando a Selic em 0,75 ponto porcentual (pp) na semana passada, para 2,75%, e indicando outra alta igual para a reunião de maio -, é pouco provável que o câmbio chegue ao fim de 2022 em R$ 5,95.

A mediana do câmbio no final de 2022 projetada no último Focus (sistema de coleta de expectativas do mercado do BC) foi de R$ 5,25. Usando esse câmbio de consenso e replicando o modelo do BC, Bráulio chega a um IPCA em torno de 3% em 2022, bem abaixo da meta, portanto.

Borges considera ainda que o BC, na ata, deu muita importância ao que aconteceu até o quarto trimestre de 2021. De fato, a retomada surpreendeu, e a queda de 4,1% do PIB no ano passado foi menor do que projeções que se faziam ainda no início deste ano.

Mas essa é uma visão de retrovisor. A segunda onda da pandemia se revelou imensamente maior do que se antevia no final do ano passado, com efeitos sobre a atividade igualmente muito mais intensos.

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O Ibre, por exemplo, projeta queda de 0,5% do PIB tanto no primeiro trimestre quanto no segundo.

É verdade que o nível de utilização da capacidade instalada (NUCI) na indústria está na média histórica por causa do boom de consumo de bens (paralelamente à redução do consumo de serviços) verificado desde meados do ano passado.

Mas Borges nota que outras medidas que refletem a ociosidade, como tráfego em rodovias e taxa de vacância de escritórios, ainda revelam uma economia com muitos recursos subutilizados.

Nas suas contas, a hiato do produto na economia brasileira era de -5,5% no final de 2019 e de -6% ao fim de 2020.

Outro ponto questionado pelos dois economistas é mais uma decisão unânime do BC, e sem exposição de debates sobre alternativas de ação, quando há um discussão intensa no mercado, com economistas respeitados defendendo visões bem diferentes.

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Eles também notam que, mais de um mês após a promulgação da lei de autonomia do BC, em que se acresceu ao mandato de controlar a inflação, ainda que de forma secundária, a suavização do ciclo econômico e o fomento ao pleno emprego, nada sobre esses novos objetivos - que, a seu ver, deveriam aumentar o peso da atividade na função de reação do Copom - apareceu na comunicação institucional da autoridade monetária.

Borges e Barboza consideram que o Copom partiu com mão pesada demais para o novo aperto monetário, cujo início poderia esperar um pouco mais - ou pelo menos ter sido de 0,25 pp.

Borges nota ainda que a curva de juros já deixou para trás o plano de voo do BC de fazer um ajuste "parcial", precificando para o fim do ano uma Selic já em nível próximo da neutralidade (o que seria um ajuste total), de aproximadamente 7%.

Ele vê dificuldade agora de o BC "domar" as apostas altistas (mais do que Copom pretende) do mercado em relação à Selic.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

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Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 23/3/2021, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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