Os analistas que veem risco de que a inflação suba fortemente como forma de "resolver" a dinâmica insustentável da dívida pública estão completamente equivocados, segundo uma fonte da equipe econômica. "Essa fuga via inflação é totalmente ilusória", diz a fonte.
A expressão "dominância fiscal" é por vezes utilizada para descrever aquela visão de alguns analistas, embora haja certa polêmica sobre se o emprego do termo é preciso ou não. Para além da questão semântica, a análise seria de que o aumento de juros numa situação já crítica em termos de dinâmica da dívida bruta aumentaria o receio de inadimplência. Assim, o risco País subiria e o câmbio se desvalorizaria ainda mais, pela saída de investidores da dívida pública para o dólar. A disparada do câmbio levaria a inflação muito acima dos limites do regime de metas. Com a consequente elevação do PIB nominal pela inflação muito mais alta e com a corrosão inflacionária da despesa pública (as receitas são mais indexadas), a dinâmica da dívida pública poderia deixar de ser explosiva. Mas o custo seria jogar o País num patamar inflacionário muito mais elevado.
A fonte do governo sustenta que não há transição gradativa entre o funcionamento normal, mesmo que estressado, dos mercados e a situação de dominância fiscal tal como descrita acima. A visão é de que o Tesouro se financia na curva de juros nominal e real, e a única razão pela qual esta curva tem alguma racionalidade em termos de preços é porque as pessoas acreditam que a política monetária vai manter a inflação sob controle.
Assim, no momento em que essa crença deixasse de existir, não existiria prêmio que segurasse os investidores no Brasil - os prêmios de risco explodiriam, quebrando o Tesouro. A questão seria não linear, binária.
"Você não passa pelo momento de dominância fiscal em que a inflação resolve o problema, mas vai diretamente para uma crise financeira na qual não consegue mais rolar a dívida", diz a fonte, para quem o cenário de "solução" inflacionária para o problema da dívida pressupõe que os agentes não têm expectativas racionais, e que deixariam que seus ativos fossem erodidos pela inflação sem reagir.
A fonte acrescenta que não há nenhum sinal de crise financeira. As contas do balanço de pagamentos não indicam fuga de capital e o mercado financeiro continua a funcionar.
Por outro lado, a fonte reconhece que o mercado tem dúvidas hoje sobre se o regime fiscal é sustentável ou não. Isto provocou um aumento dos prêmios de risco que distorceram a curva de juros, que não expressa a expectativa da trajetória futura da taxa básica de juros como ocorreria em condições mais normais. Mas o investidor ainda compra títulos públicos a uma taxa mais alta, o que significa que ainda acha que o problema fiscal vai ser resolvido.
Na sua visão, o fato de o Brasil ter uma conta de capital aberta, pesados investimentos estrangeiros e muita dívida impede uma "solução" inflacionária do tipo argentino. Na Argentina, com conta de capital fechada, uma série de restrições financeiras e pouca dívida, é possível tocar com a barriga com inflação alta e juros reais negativos. O modelo brasileiro impede esta alternativa sem que haja uma crise financeira imediata.
A visão é de que, no Brasil, a política monetária não pode solucionar o dilema fiscal, mas pode comprar tempo. Há uma série de ferramentas para prevenir uma crise financeira, como aumento de juros e os diversos tipos de intervenção nos mercados cambiais, como vendas de swaps, linhas e reservas. Nada disso está fora do cardápio de ações do governo, caso haja necessidade. Em última instância, porém, o poder de evitar uma crise financeira depende da decisão política, que extrapola o Executivo, de resolver o problema fiscal. (fernando.dantas@estadao.com)
Fernando Dantas é jornalista da Broadcast
Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast em 18/9/15, sexta-feira.