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Economia e políticas públicas

Opinião|Selic: será que ajuste vai ser mesmo gradual?

No comunicado da reunião do Copom em que o BC endureceu e aumentou a Selic em 0,75 ponto porcentual, a autoridade monetária diz, por outro lado, que se trata de "um processo de normalização parcial do estímulo monetário". Mas o que é esse "parcial"? E será que o BC vai parar mesmo no parcial?

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Atualização:

Na surpresa da decisão de elevar ontem (quarta-feira, 17/3) a Selic em 0,75 ponto porcentual (pp), para 2,75%, o Copom sinalizou que está pronto a agir com firmeza para cumprir o que determina o sistema de metas de inflação. O BC indicou outro aumento de 0,75pp para a reunião do Copom de maio.

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O BC quer tanto evitar que o IPCA este ano rompa o teto de tolerância de 5,25% quanto fazer com que em 2022 não vá acima da meta de 3,5%.

O Copom, no entanto, menciona duas vezes no comunicado que está iniciando um "processo de normalização parcial". Na segunda menção, deixa explícito do que se trata: "do estímulo monetário".

Segundo Luciano Sobral, economista-chefe da NEO Investimentos em São Paulo, o "processo de normalização parcial" indica que o BC não pretende levar os juros à taxa neutra.

"Eles ainda acham que a política monetária deve ser estimulativa", diz o economista.

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Considerando-se que o juro real de equilíbrio no Brasil seja de 2,5%, e com a meta de inflação de 3,5% em 2022, uma conta muito simplificada indicaria uma Selic nominal neutra de 6,0%. Assim, saindo-se dos 2% para qualquer nível abaixo de 6% poderia ser considerado uma normalização "parcial", ou ainda estimulativa.

Sobral observa que muitos analistas consideram que o Copom não vai conseguir parar na etapa "parcial", porque as expectativas, a inflação e o câmbio vão continuar subindo.

O analista da NEO Investimentos está até entre os que pensam que pode haver uma parada de alguns meses num nível ainda estimulativo, em 4,5% a 5% de Selic.

"A dinâmica de curto prazo de fato está muito ruim, mas o cenário para a inflação de 2022, que é o que ele está mirando, ainda parece tranquilo", aponta Sobral.

Para outro profissional do mercado, a chave do comunicado está na ideia de que o nível extraordinário de estímulos não é mais apropriado. E isso indica que o Copom gostaria de voltar para o nível de estímulo pré-pandemia, quando a Selic estava em 4,25%.

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Como já observado, nem todos creem que o BC vai conseguir parar no nível parcial. O Credit Suisse, por exemplo, em relatório de Solange Srour e Lucas Vilela divulgado hoje, prevê que a Selic atinja 6,5% no final deste ano.

Para chegar lá, o Copom faria cinco altas adicionais e consecutivas de 0,75pp na Selic até a reunião de outubro deste ano. Como se vê, se essa projeção estiver correta, o BC vai "passar de passagem" pelo nível parcial e caminhará direto para algo mais próximo ao nível neutro.

O analista mencionado acima não considera que isso seja problemático.

"Acho que o primeiro objetivo deve ser esse [chegar ao nível parcial], quando chegar lá, o Copom verifica se o parcial ainda é apropriado ou não - se não for, ele vai até pelo menos 6%", diz.

Ele considera que "dá para atualizar a comunicação à medida que caminhamos, do mesmo modo que, três reuniões atrás, o forward guidance era o assunto do momento".

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O analista vê um posicionamento "hawk" (jargão de mercado para dar grande peso à inflação) do Copom na decisão e no comunicado de ontem.

Ele nota que a política monetária de agora vai impactar a atividade e a inflação na virada de 2021 para 2022. E esse será um momento em que é razoável pensar que, com a vacinação, a atividade já tenha se recuperado bem dessa nova fase de lockdowns.

"É só olhar o exemplo do ano passado, passada a pior fase da pandemia, a economia voltou em 'V'", menciona.

Uma terceira fonte, profissional de uma gestora de recursos, considera que a decisão dura de ontem do Copom é a correção de um erro.

"O BC se colocou numa posição ruim ao baixar a Selic para 2%, e agora está corrigindo", ele diz.

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O problema, no entanto, na sua visão, é que as expectativas de inflação  já andaram bastante, e normalmente reverter esse tipo de processo é mais custoso do que impedir que comece.

Ele não considera que o BC terá que colocar a Selic num nível "superalto", mas vai ser um ciclo com algumas altas consideráveis à frente.

"Fazer isso no momento em que a economia está fechando por causa da segunda onda é algo desagradável, um sinal forte de que erraram anteriormente", conclui.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 18/3/2021, quinta-feira.

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Opinião por Fernando Dantas
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