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Economia e políticas públicas

Opinião|Sobe inflação "implícita" nos EUA

Expectativa de inflação apurada pela diferença entre títulos prefixados e pós-fixados nos Estados Unidos tem alta forte, mas parte (menor) da elevação está ligada a questões técnicas do mercado de títulos do Tesouro americano.

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Atualização:

Uma preocupação que deve estar bem presente na mente dos membros da equipe econômica brasileira é a possibilidade de que o superpacote fiscal proposto por Joe Biden, inicialmente dimensionado em US$ 1,9 trilhão, deflagre pressões inflacionárias nos Estados Unidos.

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Para o Brasil, evidentemente, esse seria um cenário horroroso. Boa parte do Executivo e do Congresso vem se esmerando em subestimar o risco fiscal provocado pelos gastos da pandemia. A fragilidade macroeconômica brasileira já produz danos à atividade, com alta de inflação, juros e câmbio. Outro cenário, muito pior, seria uma crise aguda, que poderia ser provocada por uma alta abruta e forte dos juros nos Estados Unidos.

Recentemente, indicadores financeiros nos Estados Unidos sinalizaram que há, de fato, preocupação com inflação entre os investidores.

A rentabilidade do título do Tesouro norte-americano saiu de um vale de 0,5% em agosto de 2020 para cerca de 1,43% no momento. Entre o início de ano e hoje, houve um salto de 0,5 ponto porcentual (pp).

De forma mais específica, a inflação implícita entre títulos pós e prefixados (chamada de "breakeven rate") nos Estados Unidos se elevou.

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Desde o final de março de 2020, segundo recente texto dos economistas Sirio Aramonte e Fernando Avalos, a breakeven rate nos Estados Unidos se elevou em 1,3 pp, para 2,16% no final de fevereiro de 2021.

Aramonte e Avalos assinam um box, intitulado "O que causou o recente aumento da taxa de inflação implícita nos Estados Unidos ["US Inflation break-even rate"], no recém-lançado "BIS Quartely Review" (Relatório Trimestral do BIS), de março de 2021. BIS é a sigla em inglês do Banco para Compensações Internacionais, na Basileia, instituição que congrega os BCs do mundo.

Segundo os autores, a maior parte da alta da breakeven rate norte-americana é efetivamente elevação da expectativa inflacionária, que saiu de cerca de 0,5% ao ano no primeiro semestre de 2020 para aproximadamente 1,6% em janeiro de 2021.

Em particular, a expectativa de inflação, que se estabilizou em torno de 1% em novembro e dezembro, saltou em janeiro - o que Aramonte e Avalos associam às perspectivas dos efeitos do pacote fiscal de Biden.

Mas há outro componente na breakeven Inflation, que é o chamado "prêmio de risco de inflação" ("inflation risk premium"). O prêmio de risco, explicam os autores, só reflete a compensação que os investidores pedem para o fato de deterem títulos do Tesouro com taxas fixas nominais. Isso se diferencia da inflação embutida no cálculo da rentabilidade real do título.

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Segundo os dois economistas, a alta da breakeven rate entre março do ano passado e hoje é em parte explicada pelo fato de o prêmio de risco ter subido 0,5 pp no período. Isso contribuiu para que a inflação implícita atual seja a mais alta desde o início de 2019.

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Em relação à alta propriamente dita da expectativa inflacionária, os autores também citam como fatores explicativos, além do impulso fiscal, o avanço da vacinação nos Estados Unidos (que deve "religar" o setor de serviços) e a elevação do preço das commodities.

No caso do prêmio de risco, Aramonte e Avalos observam que o livro-texto indica que, fiel ao nome, trata-se de um componente que sobe e desce de acordo com o apetite de risco dos investidores.

No caso do Brasil, por exemplo (o comentário é do colunista), a alta recente da inflação implícita entre títulos pós e prefixados é vista por muitos analistas como derivada do aumento do risco fiscal.

No caso norte-americano, entretanto, os autores notam que há também um fator técnico. A breakeven rate é calculada a partir dos títulos prefixados do Tesouro e os chamados TIPS, sigla em inglês para papéis do Tesouro protegidos da inflação - pós-fixados, naturalmente.

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De acordo com os dois economistas, tanto no caso dos Treasuries (prefixados) quanto dos TIPS, a oferta para os investidores deriva do balanço entre as emissões pelo Tesouro e as compras desses papéis pelo Federal Reserve (Fed, BC dos EUA).

Como o Fed acelerou suas compras de ambos os tipos de títulos como forma de dar liquidez aos mercados em resposta à crise econômica provocada pela pandemia, a oferta líquida de Treasuries e TIPS caiu num primeiro momento.

A partir de meados de 2020, no entanto, a oferta de títulos prefixados do Tesouro aumentou, com ampliação dos volumes dos leilões entre 20% e 50%. Já as emissões dos TIPS ficaram estáveis.

Dessa forma, em termos relativos, por razões técnicas, as taxas dos títulos menos ofertados, os TIPS, sofreram uma pressão baixista, vis-à-vis os Treasuries prefixados. Quando o emissor tenta colocar mais títulos, as taxas que têm que pagar tendem a subir.

Segundo Aramonte e Avalos, "a combinação de maior oferta de Treasuries [prefixados] e menor oferta de TIPS provavelmente contribuiu para o maior risco de prêmio mensurado".

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Esse efeito pode explicar parte do aumento do prêmio de risco, mas, como os próprios autores chamam a atenção, a maior parte da inflação implícita de 2,2% no final de fevereiro deriva mesmo de expectativa inflacionária, de ligeiramente mais que 1,6%.

Ainda é abaixo da meta do Fed de 2%, mas subiu bastante no último ano. O risco de inflação nos Estados Unidos ainda pode dar o que falar no Brasil em 2021.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 1/3/2021, segunda-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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