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Economia e políticas públicas

Opinião|Stiglitz vê falta de demanda global

Segunda parte da entrevista com Stiglitz. O prêmio Nobel prevê 2016 igual ou pior a 2015 na economia mundial e diz que falta demanda no EUA e Europa, cujos governos deveriam gastar mais. Para Stiglitz, aumento da desigualdade é uma das causas da debilidade da demanda.

Foto do author Fernando Dantas
Atualização:

DAVOS - Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, acha que a economia global terá desempenho em 2016 igual ou pior ao de 2015. Ele vê um problema generalizado de falta de demanda, pelo qual ele responsabiliza o Partido Republicano, nos Estados Unidos, e a "ideologia alemã", na zona do euro. O prêmio Nobel também considera o aumento da desigualdade como outro fator que reduz a demanda global. Stiglitz está em Davos para participar do Fórum Econômico Mundial.

Como o sr. vê a economia global hoje?

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Meu diagnóstico não é nada complicado: há falta de demanda agregada global. Tem sido um problema persistente, que começou de certa forma até antes da crise global. Mesmo antes da crise, o que sustentava a economia americana era uma bolha artificial. Se não fosse por ela, a economia teria sido fraca.

Por que a demanda global está fraca?

Olhando em volta do mundo, há quatro razões básicas. A primeira é a desigualdade. As pessoas no topo não gastam tanto (como parte da sua renda) quanto as pessoas na base. Então, à medida que a desigualdade cresce, a demanda se enfraquece. Em segundo lugar, há transformações estruturais acontecendo em quase todos os países. Nos Estados Unidos, a transição da indústria manufatureira para os serviços. Na China, das exportações para a demanda interna. Mas os mercados são duros em conduzir essas transições. Tem sempre gente que fica para trás, o que contribui para a desigualdade. Os setores que ficam para trás não podem demandar bens. Nos Estados Unidos, por exemplo, o problema das manufaturas diminui a renda dos trabalhadores deste setor. Em terceiro lugar, a zona do euro está uma bagunça, com políticas econômicas que contribuíram pra reduzir o crescimento na Europa.

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O sr. se refere à austeridade?

Sim, até nos Estados Unidos nós temos uma forma moderada de austeridade, pela pressão política dos Republicanos. Nós temos meio milhão de empregos a menos no setor público do que tínhamos em 2008, antes da crise, e, se houvesse uma expansão normal da economia, seriam dois milhões a mais. Então temos austeridade nos Estados Unidos. Não se fala do assunto, mas temos austeridade.

E qual seria o quarto fator para a demanda global enfraquecida?

Sempre que há uma perturbação como a queda do preço do petróleo, é uma redistribuição. Todo mundo esperava que o preço do petróleo mais baixo iria estimular a demanda, mas se esqueceram de que se trata de redistribuição. Os vendedores perdem e os compradores ganham. Se os vendedores diminuem os seus gastos em exatamente o mesmo volume que os compradores aumentam, não há nenhuma mudança. Mas há assimetrias. Muitas vezes os que perdem têm que contrair o seu gasto, dólar por dólar, e aqueles que ganham economizam, pois não sabem se o ganho é temporário ou de longo prazo. E os desdobramentos podem ser ainda piores em termos de investimento - uma das fontes de crescimento nos Estados Unidos e outros países vinha sendo o investimento em hidrocarbonetos (petróleo e gás). E isto foi cortado. Os efeitos são enormes. Vi estimativas, em termos globais, em torno de meio trilhão de dólares. Mesmo que seja menos, é um volume muito grande. Da mesma forma, a desaceleração na China provoca a queda dos preços do minério de ferro, e os ganhadores não gastam a mais tanto quanto os vendedores gastam a menos.

E qual a sua previsão para 2016, portanto?

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É provável que essas tendências que eu descrevi continuem este ano. Se eu fosse otimista, eu chamaria atenção para o fato de que o Orçamento americano acabou sendo melhor do que o esperado, mas há muitos fatores negativos. Não vejo nada positivo na Europa, vejo muitas incertezas. Acho que muita gente esperava a desaceleração na China, mas não o tamanho da turbulência financeira. Tudo isso me diz que 2016 será tão ruim ou pior do que 2015.

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O problema da economia global é demanda, para o senhor. Qual seria a terapia?

A terapia econômica é fácil. O problema é a política. Em termos econômicos, nós precisamos de um aumento significativo dos gastos do governo nos Estados Unidos e na Europa. Nos dois casos, os setores públicos podem tomar emprestado a taxas de juros muito baixas. E por outro lado, é preciso investimento em tecnologia, educação, infraestrutura. Isso estimularia a economia, faria com que crescêssemos. Compraríamos mais produtos do Brasil, o que ajudaria vocês. Na Europa e nos Estados Unidos, nós temos o espaço fiscal, vocês têm menos. Nosso espaço fiscal é imenso. Mesmo que os Estados Unidos estivessem preocupados com o déficit público, nós podemos elevar os impostos. Nossos impostos são muito baixos. Podemos aumentar impostos, conseguir mais igualdade. Podemos ter impostos sobre poluição, que melhorariam o meio ambiente, impostos sobre terra, para desencorajar a especulação. Tem muitas fontes para aumentar a receita. É possível melhorar o desempenho da economia, reduzir a desigualdade, o que seria um grande benefício para o mundo todo.

E qual o obstáculo para isso?

O problema maior está nos Estados Unidos e na Europa, e se resume à política. Na verdade, é um pouco mais complicado. Nos Estados Unidos, é apenas a política. Acredito que há um amplo sentimento no Partido Democrata em favor das políticas que eu acabei de descrever. Na Europa é mais complicado por causa da ideologia alemã. Tenho dúvida de que, caso a oposição vencesse, haveria uma mudança. Os alemães reescreveram a história para acreditar que a inflação foi o problema principal (na ascensão do nazismo), mas o que causou Hitler foi o desemprego.  E eles se esqueceram disso. Eles esqueceram que o desemprego é a verdadeira causa da instabilidade social. E eles promovem políticas que causam o desemprego. Então a zona do euro tem que reformada, e isso é mais difícil, é um problema estrutural.

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Fernando Dantas (fernando.dantas@estadao.com.br)

Opinião por Fernando Dantas
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