Fernando Dantas
16 de maio de 2022 | 20h33
Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG Pactual e ex-secretário do Tesouro Nacional, diz que, com os resultados fiscais divulgados hoje, ele acha possível que sua projeção de superávit primário em 2022 suba de 0,4% do PIB para algo acima dos +0,75% do ano passado.
Ele nota que o superávit primário no primeiro trimestre subiu de 2,5% do PIB em 2021 para 4,7% em 2022.
Mansueto observa que os números fiscais pós-pandemia, em 2021 e 2022, foram muito melhores do que todos esperavam, tanto em termos de arrecadação – houve surpresa positiva de R$ 250 bilhões no ano passado – quanto de despesas.
“Quando eu estava no Tesouro em 2020, a gente estimava que duraria quatro anos para recuperar a perda de arrecadação de 2020; na verdade, em 2021, em apenas um ano, mais do que se recuperou toda a perda, com um ganho de 0,5% do PIB”, ele diz.
Entre os motivos da forte recuperação da receita, o economista cita a retomada da economia em ‘V’ – o PIB cresceu 4,6% em 2021 após ter caído 3,9% em 2020 –, o “miniboom” de commodities desde 2020 e a elevada inflação.
A alta das commoditties afeta positivamente a atividade econômica e a arrecadação, tanto no nível federal como estadual. Neste segundo caso, Mansueto lembra que o ICMS é um imposto ad valorem (incide sobre o preço) e cerca de 30% de sua receita vem de energia e petróleo, que tiveram grandes altas de preços.
Quanto à inflação, o economista observa que 40% da arrecadação total no Brasil é sobre faturamento de empresas ou de impostos indiretos sobre produtos, e sobe, portanto, com os preços.
Pelo lado da despesa, Mansueto recorda que, diferentemente do que quase sempre acontecia no passado, desta vez a alta da receita melhorou fortemente o primário porque houve contenção de despesa.
Com inflação acumulada de cerca de 15% em 2020 e 2021, não houve reajuste nominal para servidores ativos e inativos na União e nos Estados (onde a folha corresponde a 60% das receitas). Mesmo com recomposição este ano dessa perda passada, a alta inflação em 2022 novamente vai ajudar a conter a conta do funcionalismo.
“Todos os Estados fizeram agora o que apenas o Espírito Santo fez em 2015-16, que foi um ajuste fiscal na base de segurar o salário dos servidores num contexto de alta inflação”, diz o economista.
O resultado das surpresas positivas pelo lado da receita e da despesa transmitiram-se, naturalmente, ao saldo primário.
Assim, como nota o ex-secretário do Tesouro, no início do ano passado esperava-se um déficit primário de 2/2,5% do PIB em 2021 e acabou sendo realizado um superávit primário de 0,7% do PIB. O ano de 2022 se iniciou com expectativa de déficit primário de 0,5/1% do PIB, e agora com conservadorismo já se espera superávit de 0,5%. E isso depois de um déficit primário de 9,4% do PIB em 2020.
Apesar desses resultados, o governo está pagando um prêmio muito elevado para captar em prazos como 5, 10, 30 anos, com o juro acima do IPCA na NTN-B tendo chegado perto de 6% recentemente.
“Era o que se pagava antes da aprovação do teto de gasto”, comenta o economista.
A alta dos juros, por sua vez, piora o resultado nominal. Na projeção do BTG Pactual, o déficit nominal deve atingir 7,48% este ano (o número pode ser revisto para melhor, por causa das surpresas positivas no primário).
A perspectiva de resultados fiscais nominais ruins também ajuda a piorar as projeções da trajetória da dívida bruta e líquida como proporção do PIB.
Para Mansueto, o alto prêmio pago pelo Tesouro para captar recursos está ligado à indefinição sobre a política fiscal no próximo mandato.
“Há um grande ruído, com ataques ao teto, mas sem ficar claro qual seria a regra fiscal para um novo governo”, ele aponta.
Segundo o economista, o teto funcionou bem (mesmo com a mudança eleitoreira deste ano), e é uma causa importante do fato de que a despesa primária como proporção do PIB deve cair de 19,3% para 18,5% do PIB do fim do governo Temer ao término do atual mandato presidencial. O teto também ajuda a explicar por que o forte aumento recente de receita não foi neutralizado por alta correspondente do gasto.
Porém, como o analista mesmo ressalva, a capacidade de respeitar o teto segurando despesas “na marra” está chegando ao fim.
Os gastos com funcionários ativos e inativos, por exemplo, deve chegar este ano ao nível de 3,5% do PIB, o mais baixo desde 1991, e com recuo de 0,8 ponto porcentual (pp) ante os 4,3% do PIB do final do governo Temer. Mas com salários congelados nominalmente e uma inflação que pode chegar perto de 25% em três anos, é difícil imaginar que se possa fazer mais economia nesse quesito. A contenção de concursos também levou à redução do número de servidores nos últimos anos.
Já o investimento público, mesmo considerando as emendas parlamentares, já caiu a um nível extremamente reduzido, em torno de 0,5% do PIB.
Manter a regra do teto, avalia o economista, depende de revisar programas (reduzindo ou terminando) como, por exemplo, o abono salarial. É possível alterar o teto com “compensações”, como alta da carga tributária ou revisão de regimes especiais de tributação.
No caso do aumento de carga, Mansueto nota que pode comprometer o crescimento econômico, pois o Brasil – com carga de 33,9% do PIB segundo recente estudo do Tesouro – já tem um nível perto da média da OCDE (com maioria de países ricos) e muito acima dos 23% da média da América Latina.
Já revisar programas ou regimes especiais de tributação é muito difícil politicamente, e depende de forte empenho do Executivo em explicar e vender a ideia à população.
“É complicado para qualquer governo, seja esquerda, direita ou centro”, analisa o economista.
Segundo Mansueto, a grande dúvida que mantém em elevado nível os prêmios nos títulos do Tesouro é saber quando a dívida bruta e líquida vão começar a cair como proporção do PIB. Na verdade, houve queda em 2021 e deve cair de novo este ano, mas a projeção à frente é de alta.
Há vários pontos positivos. Diversos Estados fizeram reforma da Previdência, com aumento de arrecadação e estão com situação robusta de caixa. O caixa total dos Estados passou de cerca de R$ 70 bilhões em 2019, pré-pandemia, e hoje está acima de R$ 200 bilhões. É preciso ver se essa melhora vai dar em mais investimento público ou aumentos salariais.
Ainda assim, para o economista, o próximo governo deve ser todo de ajuste fiscal, para consolidar uma trajetória de queda da dívida pública como proporção do PIB. Para isso, Mansueto considera necessário um primário acima de 2% do PIB, o que daria um gap de 1,5% do PIB, supondo o resultado conservador de +0,5% este ano, ou um pouco menos se o primário vier mais forte.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 16/5/2022, segunda-feira.