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Economia e políticas públicas

Opinião|Um ex-BC contra a maré

Tony Volpon, que foi diretor do Banco Central e hoje chefia a pesquisa econômica do UBS no Brasil, considera - ao contrário da maioria - que a incerteza caiu depois do escândalo da gravação de Temer/Joesley. Entenda o porquê, e quais as consequências se Volpon estiver certo.

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Atualização:

Tony Volpon, economista-chefe do UBS no Brasil e ex-diretor do Banco Central, vai na contracorrente do BC e de boa parte dos analistas quando o tema é a incerteza. Ao contrário do consenso que vai se formando, Volpon considera que o grau de incerteza caiu, e não aumentou, a partir do choque político de 17 e 18 de maio, quando foi revelada a gravação da conversa entre o presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista, da Friboi.

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A visão mais comum é de que, com o escândalo, a probabilidade de que a reforma da Previdência seja aprovada no atual mandato presidencial caiu muito, assim como as chances de outros itens da agenda reformista. Dessa forma, o futuro ficou bem mais incerto.

O economista do UBS raciocina de forma diferente. Para ele, um fator importante no balanço de riscos pré-gravação de Temer eram as possíveis consequências de uma decepção com as reformas. "Nós pensávamos que o dólar fosse disparar, e que talvez nós voltássemos a um cenário de estresse agudo como o que vivemos em 2015", ele diz.

Agora, ele continua, "a decepção de fato aconteceu, e a reação do mercado foi bem menor do que se esperava, passado o susto inicial".

Em outras palavras, a reforma da Previdência até o fim de 2018 tornou-se um evento de probabilidade muito baixa - e, se passar alguma coisa, deve ser em forma minimalista e extremamente reduzida. O mercado, entretanto, não voltou - nem de longe - ao estado de pânico vivido no segundo semestre de 2015 (novamente, com exceção das negociações no próprio dia 18 de maio)

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"Sem entrar no mérito de por que algo mais extremo não aconteceu nos mercados, do ponto de vista da avaliação de risco, uma variável exógena se realizou e sabemos agora que o valor dela era menor que o esperado", continua o economista.

Segundo Volpon, o fato acima significa que "o nível global de incerteza caiu, e não subiu, como alegam o BC e o mercado - sabemos agora que um severo downgrade das reformas não causa uma reação extrema nos mercados".

Essa é a razão pela qual ele crê que o BC deve prosseguir na queda dos juros levando em conta os fatores cíclicos, como o IPCA surpreendente baixo de maio (0,31%), e não deve alterar esta postura.

"Não mudei em nenhum momento a minha previsão de 7,5% para o ponto terminal da Selic neste ciclo de redução", acrescenta Volpon.

Para ele, a questão das reformas afeta a condução da política monetária de três formas. A primeira delas são os impactos diretos sobre a taxa de câmbio e as expectativas de inflação. Volpon nota que a reação do mercado desde a "quinta-feira negra" tem sido muitos discreta em relação a essas duas variáveis.

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O segundo impacto se dá sobre as condições financeiras em geral, e, a partir destas, chega à economia. "Também captamos impactos discretos até agora nos nossos índices de condições financeiras", diz o economista.

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O terceiro impacto, finalmente, é sobre a taxa de juros neutra, e é exatamente este efeito que vem sendo usado como argumento para a sinalizada desaceleração do ritmo de cortes da Selic pelo Banco Central. Volpon observa, inicialmente, que é muito difícil determinar a taxa de juros neutra, que seria mais precisamente descrita como a "estrutura a termo neutra".

Nessa questão, ele acha importante distinguir o que é a taxa neutra hoje do que ela pode vir a ser em momentos subsequentes. A não aprovação das reformas agora certamente levanta uma interrogação sobre que pode acontecer no futuro, e parece que aprová-las ou não passa a depender do resultado da eleição presidencial de 2018.

No entanto, em relação à taxa de juro neutra "agora", no momento presente, Volpon diz que "se já verificamos que não houve mudanças relevantes no câmbio, nas expectativas de inflação e nas condições financeiras em geral, acho que podemos concluir que é improvável que tenha havido mudança na taxa neutra".

O economista faz a ressalva de que esses são os fatos até agora, já decorridas mais de três semanas desde o choque político. Evidentemente, o clima pode mudar. Ainda assim, ele recomenda que "até que haja alguma reação mais contundente do mercado, o jogo deve seguir como vinha sendo jogado". (fernando.dantas@estadao.com)

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Fernando Dantas é colunista do Broadcast

 Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 12/6/17, segunda-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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