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Economia e políticas públicas

Opinião|Um ortodoxo que não está tão pessimista

O economista Bernardo Guimarães vê chances de que Nelson Barbosa, novo ministro da Fazenda, se saia melhor do que o esperado pelo mercado. Guimarães é fortemente crítico da heterodoxia (Barbosa se doutorou numa escola heterodoxa dos EUA), mas acha que o ministro da Fazenda é inteligente, aprende com os erros e, pela proximidade com o PT, pode ter mais sucesso com a tramitação política do ajuste fiscal e das reformas.

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Foto do author Fernando Dantas
Atualização:

Com os mercados um pouco mais calmos hoje (22/12, terça), o economista Bernardo Guimarães, professor da EESP-FGV, em São Paulo, avalia que - até agora, ele frisa - a reação negativa de investidores e traders à nomeação de Nelson Barbosa para o Ministério da Fazenda foi mais branda do que temiam os mais pessimistas.

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"A volatilidade foi um pouco menor que o esperado, considerando que até o anúncio do Barbosa os nomes que vinham sendo falados para substituir o Joaquim Levy, como Henrique Meirelles e Otaviano Canuto, eram vistos como mais ortodoxos", comenta o economista.

Guimarães tem uma posição interessante para comentar o assunto. Com doutorado em Yale, ele se identifica totalmente com o que se chama de "mainstream" do pensamento econômico, e que no Brasil é chamado de ortodoxia. O seu livro mais recente, "A Riqueza da Nação no Século XXI", direcionado ao público leigo, é um esforço de mostrar aos leitores, em linguagem acessível e criativa, que muito da narrativa de esquerda sobre política econômica é construída na base de mitos que podem ser desmontados, e de que muito da visão pejorativamente chamada de "neoliberal" faz sentido e está correta.

Recentemente o pesquisador andou escrevendo sobre a dicotomia ortodoxia versus heterodoxia, que é o pano de fundo para boa parte do debate econômico atual no Brasil. Ele buscou mostrar, recorrendo - entre outros argumentos - ao número de papers publicados nos periódicos de economia mais bem ranqueados do mundo, que os heterodoxos no Brasil "não seguem o mainstream, não estudam o que se faz nos melhores departamentos de economia do mundo e perseguem linhas de pesquisa quase mortas".

Barbosa fez seu doutorado pela New School for Social Research, nos Estados Unidos, que está no campo da heterodoxia. Guimarães, portanto, não é nada entusiasta da formação acadêmica do novo ministro na sua pós-graduação.

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Mas o economista da EESP-SP surpreendeu os leitores do seu blog com um artigo ontem em que defende a tese de que Barbosa pode ser um bom ministro.

Ele enxerga Nelson Barbosa como um gestor de política pública inteligente, que provavelmente aprende com os seus erros (o que não quer dizer que vá admiti-los publicamente), e tem um espírito pragmático para lidar com os desafios da sua pasta.

Guimarães deixa claro que comunga bem mais da visão econômica de Joaquim Levy do que daquela esposada por Barbosa. Mas o professor da EESP acrescenta que, num momento de crise aguda como o atual, mais importante do que pensar nas diferenças de abordagem econômica entre Levy e Barbosa é avaliar as chances de cada um de aprovar as medidas duras e impopulares num governo que perdeu popularidade e poder político.

"O negócio não é comparar o que cada um quer fazer, mas o que cada um consegue fazer; apesar de sua filiação heterodoxa, é possível que o Barbosa tenha mais chances de convencer e desatar o nó político", diz Guimarães. Esta última hipótese, ele explica, parte da premissa de que, como pessoa mais próxima ao PT, o novo ministro consiga enfrentar melhor as pressões anti-ajuste que partem da própria base política da presidente.

Ele acha que há um consenso no Brasil hoje, que abrange mesmo uma fatia dos heterodoxos, de que é imprescindível fazer o ajuste fiscal e recuperar a confiança na solvência pública, avaliada pela trajetória da dívida. Ele crê que Barbosa está imbuído desta visão quase consensual. Guimarães nota que a entrada de Levy na Fazenda no início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff mostra que o próprio governo entendeu que a política econômica teria que ser mudada no sentido da ortodoxia, embora isto não seja totalmente explicitado no discurso presidencial por razões políticas.

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Mas Guimarães deixa claro que, independentemente de a Fazenda estar sob o comando de Levy ou Barbosa, a situação é dificílima, e as chances de fracasso não são de se negligenciar. O novo ministro da Fazenda terá que ser muito hábil para conciliar um discurso que satisfaça o mercado e não aliene as bases petistas. E há ainda o risco de uma maciça aposta autorrealizável do mercado contra ele: "Se todo mundo achar que o Barbosa cometerá grande erros e que o País vai para o vinagre, a situação vai piorar, com os ativos indo para níveis que tornarão ainda mais difícil a tarefa da equipe econômica", pondera o economista.

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Mas ele não aposta particularmente na última hipótese. Guimarães avalia que Barbosa está fazendo o discurso correto, com ênfase em temas como ajuste fiscal, reformas e produtividade. "Acho que o mercado vai acabar entendendo", ele arrisca.

O economista também acha que, apesar das imensas dificuldades à frente, as narrativas pessimistas às vezes adotam um tom demasiado dramático, como por exemplo o de enfatizar o déficit nominal de 9% do PIB. "Na verdade, o que importa é que temos um déficit operacional (basicamente desconta a correção monetária da dívida pública) de 3%, e precisamos que caia para 1%, o que exige um aumento do resultado primário de dois pontos porcentuais do PIB - isto é muito difícil e não está no horizonte, mas não é algo impossível de fazer para um governo que readquirisse força política", analisa.

Por outro lado, continua Guimarães, com a maré ruim do mercado e a desvalorização, o Brasil ficou barato para empresários e investidores que virem alguma chance de o País retomar a seriedade na condução da política macroeconômica. "Para quem acredita minimamente no futuro, a oportunidade está aí, com esses preços baixos", conclui o economista. (fernando.dantas@estadao.com)

Fernando Dantas é jornalista da Broadcast

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Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast em 22/12/15, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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