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Economia e políticas públicas

Opinião|Um susto didático

Crash relâmpago das bolsas na segunda-feira ilustra recado recorrente do Banco Central de que não se deve contar com um cenário externo benigno para sempre. Mas sistema político deve continuar ignorando os riscos e, como de hábito, só tentar consertar o telhado quando chegar a tempestade.

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Foto do author Fernando Dantas
Atualização:

Enquanto o sistema político brasileiro caprichosamente empurra a reforma da Previdência de 2018 para (supostamente) 2019, o mercado internacional - cuja liquidez abundante permite ao Brasil tocar com a barriga seu dramático problema fiscal - dá sinais de que a festa pode acabar abruptamente.

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Não, o crash relâmpago de ontem não deve ter sido o primeiro momento de uma transição de um "cenário internacional auspicioso para um ambiente inóspito", como observa Jankiel Santos, economista-chefe do banco Haitong. A sensação é de que foi mais uma correção técnica, com zeragens simultâneas de posições que bateram em limites de preço.

Mas obviamente o movimento se dá com o pano de fundo da preocupação com a volta da inflação nos Estados Unidos. A velha senhora ainda não deu os ares de sua graça, mas o aquecimento do mercado de trabalho americano; a aceleração sincronizada dos principais centros da economia global; a subida dos juros longos; a inflação ao produtor relativamente alta na Ásia, que já se reflete em elevação, embora em patamar menor, da inflação ao consumidor - enfim, todo um conjunto de fatores - parecem ser arautos de uma inflação que está por vir.

Nada é garantido, por outro lado. Nas últimas décadas, já houve outros momentos em que o aquecimento de economias avançadas sugeriu que, pelo conhecimento convencional da ciência econômica, a inflação de bens e serviços deveria subir. Mas o que normalmente ocorreu foram bolhas de ativos, que deixaram os bancos centrais na incômoda situação de ter de decidir se contê-las fazia parte ou não dos seus mandatos.

De qualquer forma, parece haver uma transição em curso na economia global, pela qual as economias avançadas estão conseguindo escapar do campo gravitacional da "nova (que talvez já esteja se tornando antiga) normalidade", o período de crescimento anêmico e temores deflacionários que prevaleceu por vários anos depois da crise global de 2008 e 2009.

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Essa transição pode desembocar num novo cenário mundial benigno, com um ajuste ordeiro e razoável da liquidez global, que não estresse os ativos de risco, como os brasileiros, e simultaneamente ofereça comércio global robustamente crescente e commodities em alta. Uma outra possibilidade bem mais preocupante é que em algum momento, empurrada pela política de Trump de turbinar ao máximo a economia dos EUA, a inflação faça uma aparição repentina e assustadora no cenário, levando a uma alta brusca dos juros americanos e internacionais. Nesse caso, vai sobrar para o Brasil.

De forma típica, a economia global está mudando, mas o sistema político brasileiro permanece entorpecido em seu berço esplêndido, na suposição de que existe o tempo todo do mundo para consertar o telhado da casa antes da próxima tempestade.

Já o Banco Central (BC) não pode se dar ao mesmo luxo. Santos, do Haitong, considera muito improvável que uma volatilidade de curto prazo como a de ontem mude a decisão do Copom na reunião que termina amanhã, que deve ser de corte de 0,25 ponto porcentual (pp), para uma Selic de 6,75%.

Mas o economista ressalta, por outro lado, que o crash de ontem é até didático em relação à comunicação do BC, que vem justamente enfatizando que a bonomia internacional não deve ser vista como um fenômeno permanente ou mesmo extremamente duradouro. É possível até que o BC se valha do susto recém-ocorrido para reforçar esse ponto no comunicado ou na ata da reunião. Mas é difícil que o sistema político nacional se sensibilize para a necessidade de dar prosseguimento rápido à agenda reformista, uma recomendação implícita da comunicação do Banco Central. O Congresso Nacional só costuma agir debaixo da tempestade. (fernando.dantas@estadao.com)

Fernando Dantas é colunista do Broadcast

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Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 6/2/18, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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