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Economia e políticas públicas

Opinião|Vendaval contra

Governo Temer enfrenta uma combinação de fatores de turbulência, entre os quais um PIB que só faz cair, mas o maior erro seria abandonar ou aguar a política econômica que vem sendo implementada.

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Atualização:

Considerando todos os eventos negativos que adentraram o cenário de um mês para cá, até que o novo arcabouço econômico que vem sendo montado por Henrique Meirelles e sua equipe dá mostras de uma resistência razoável. Isto deveria estar bem presente na mente de políticos e lobbies empresariais que se impacientam com a política econômica em curso e ensaiam uma "fritura" de Meirelles, como analisou mais cedo Fábio Alves, colunista do Broadcast.

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Como nota Solange Srour, economista-chefe da gestora ARX, no Rio, três frentes de dificuldade turvaram o horizonte da retomada da economia brasileira. Dois deles são surpresas. A mais recente surpresa negativa, claro, é a vitória de Donald Trump, que piorou muito o cenário internacional para emergentes. O juro referencial de dez anos do Tesouro norte-americano saltou de pouco menos de 1,8% para cerca de 2,4% da eleição para cá, e o dólar disparou ante várias moedas.

A segunda surpresa - não para todos os analistas, mas para a maioria - foi a decepção da atividade econômica brasileira neste segundo semestre, que está derrubando as projeções de crescimento em 2017 (o Itaú bravamente colocou-se hoje na contracorrente do pessimismo com sua revisão de "apenas" 0,5 ponto porcentual na previsão do PIB do ano que vem, de 2% para 1,5% - tomara que esteja certo!).

Uma recuperação mais tardia e mais lenta retroalimenta-se com pioras do resultado fiscal, via menores receitas, e da governabilidade política.

Finalmente, o evento negativo mais previsível, mas que não necessariamente tinha de ocorrer com o vigor que agora se insinua, é uma deterioração política grave em função dos desdobramentos da Lava-Jato, do qual o principal é a megadelação da Odebrecht. Não são, de forma alguma, favas contadas que a governabilidade de Temer está fadada a se dissolver, mas cresceram as chances de um cenário deste tipo. O affaire Geddel foi um aperitivo dos riscos associados ao clima sociopolítico tenso no qual o governo Temer tenta atravessar a corda bamba - ou "pinguela", como prefere FHC.

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A ansiedade compreensivelmente trazida por tantos problemas pode, neste ponto da travessia, precipitar erros fatais, como aguar ou sabotar a política econômica em curso. Como mencionado de início, a equipe econômica tem o que mostrar: dado o vendaval em sentido contrário, os fatos de que não haja pânico no mercado financeiro e de que não se ouça mais falar em dominância fiscal (até agora, pelo menos) é bastante coisa.

No front inflacionário, o Banco Central conseguiu a façanha de tornar factível o não rompimento do teto de tolerância de 6,5% este ano e o atingimento da meta de 4,5% em 2017. É claro que eventos imprevisíveis e a sorte vão, em última instância, decidir se estes dois marcos serão conquistados. Mas o simples fato de que sejam hoje considerados possíveis seria impensável há alguns meses.

Na questão da atividade, finalmente, é preciso entender que o desapontamento com o PIB é o problemão que Meirelles e sua equipe estão tentando resolver, e não a consequência da política econômica implementada. As dificuldades políticas do ajuste fiscal são um elemento fixo do cenário, sejam quais forem os atores na Fazenda e no Banco Central.

E há ainda o diagnóstico crescentemente sedimentado de que a retomada é difícil, lenta e dolorosa por se tratar de uma "recessão de balanço", com processo de desalavancagem de famílias e empresas. Os juros podem e devem baixar (salvo solavancos gigantes externos ou internos), e vão ajudar um pouco, mas não há outra saída a não ser a paciência - desalavancagem toma tempo e o setor público no Brasil não tem solvência suficiente (nem de longe) para compensar a contração da demanda privada.

Temer, por sua vez, deveria trabalhar com alguns pressupostos e diretrizes que parecem cada vez mais claros. Em primeiro lugar, o seu provavelmente será um governo de transição, cujo maior mérito será entregar um país governável ao seu sucessor ou sucessora - qualquer coisa além disso é lucro. Se cumprir esse objetivo simples, o presidente provavelmente não sairá sob os aplausos das massas (é até capaz de ser bem impopular), mas tampouco fará feio nos livros de história.

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Em segundo lugar, Temer não deveria ouvir o canto de sereia das críticas de desenvolvimentistas, heterodoxos, políticos nervosos e empresários impacientes à atual política econômica. Uma constatação que ajuda a recompor a sobriedade quando vier essa tentação é a de que, no fundo, aquelas críticas são o caldo de cultura do qual surgiu a desastrosa nova matriz econômica, que conduziu o País até o presente buraco.

Finalmente, o presidente deveria temperar sua malemolente habilidade política com certo grau de ousadia e agressividade, reagindo rápido ou até se antecipando em relação aos escândalos que vêm atingindo seus colaboradores mais próximos. Tudo isso, claro, na suposição de que o próprio Temer não seja atingido. Aí não há muito o que fazer. (fernando.dantas@estadao.com)

Fernando Dantas é jornalista do Broadcast

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 2/12/16, sexta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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