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Economia e políticas públicas

Opinião|Volatilidade desnecessária?

Para alguns analistas, atuação do Banco Central vem sendo "nervosa" demais, com excesso de idas e vinda e erros que podem estar contribuindo para deixar os mercados mais turbulentos.

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Atualização:

Não há dúvida de que o Banco Central de Roberto Campos Neto vem enfrentando uma prova de fogo para ninguém botar defeito. Pandemia, megadesvalorização, superdesemprego, grande descontrole fiscal, variações selvagens nas expectativas inflacionárias.

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Mas como quem está na chuva é para se molhar, há evidentemente muitas críticas à condução do atual BC.

Uma corrente de analistas considera que o Copom cortou demais a Selic no ano passado, que não deveria ter chegado a 2%.

A questão foi bem debatida à época. Alguns achavam que o BC tinha que reagir estritamente pelo manual do sistema de metas. Como, em meados de 2020, as expectativas inflacionárias caíram para níveis baixíssimos, com risco percebido de a inflação ficar abaixo das metas, não havia por que não continuar cortando a Selic.

Outra corrente - mencionada acima - apontava a grande desvalorização do real e os riscos fiscais como razão para o BC ter parado de cortar antes.

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Os fatos parecem ter dado razão a esse segundo grupo. O preço das commodities explodiu, o real continuou a se desvalorizar, e a pressão nos preços em reais de matérias-primas e produtos comercializáveis internacionalmente - incluindo petróleo - mudou radicalmente, para pior, o cenário inflacionário.

A inflação deste ano deve ficar muito acima da meta de 3,75% e se aproximar do limite de tolerância de 5,25%. E o temor passou a ser de que as expectativas ultrapassem significativamente a meta de 2022 de 3,5% (ainda não aconteceu).

Nesse contexto, também há críticas ao forward guidance estabelecido na reunião de agosto do ano passado, dando a entender que o Copom ficaria muito tempo sem elevar a Selic.

Não só o mecanismo foi retirado em janeiro como, na reunião subsequente do Copom, em março, o BC surpreendeu o mercado com uma alta de 0,75 ponto porcentual (pp) da Selic, acima da expectativa de elevação de 0,5pp.

"A política monetária deveria ser como a condução de um transatlântico, em que você tem que frear muito antes de chegar ao porto, mas este BC é muito nervoso, com reações muito de alta frequência", critica um gestor de recursos.

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De qualquer forma, ele nota, como o BC de fato "ficou atrás da curva", a decisão do 0,75pp tinha mesmo que ser tomada, mas a sua comunicação foi problemática.

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A fonte explica que, ao contrário de certo senso comum, a grande presença de gestores de fundos no mercado faz com que a posição "vendida" em juros (equivalente a papéis prefixados que perdem valor com a alta dos juros) prevaleça sobre a posição "comprada" (que ganha com a alta dos juros).

Assim, o mercado tende a reagir mais nervosamente a uma surpresa para cima da Selic do que a uma surpresa para baixo.

Entre a decisão do Copom da reunião de março (dias 16 e 17) e a divulgação da ata, na terça-feira, 23/3, os juros futuros (DI) subiram expressivamente, e a curva chegou a precificar uma alta de 1pp da Selic na reunião de maio.

Na visão da fonte mencionada acima, o BC poderia ter jogado água fria por meio da ata, mas isso não aconteceu. A ata soou um tom "hawk" (temor de inflação) acima do comunicado, para ele, porque o BC enfatizou os riscos para a inflação e afirmou que o hiato do produto havia se reduzido mais do que esperado.

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O mercado ficou mais nervoso, e as taxas continuaram se elevando, mas a coisa ficou ainda pior com o box sobre cenários de estresse divulgado no Relatório Trimestral de Inflação (RTI) ontem.

O cenário de estresse fiscal (hipótese drástica de piora das contas públicas) chega a um IPCA de 5,9% em 2022, explodindo em 2,4pp a meta do próximo ano.

Contas do mercado colocam a Selic entre 9% e 10% - e há cálculos piores do que esse - para que, em caso de o cenário de estresse se materializar, o Copom consiga "entregar" aproximadamente a meta de inflação em 2022.

Ninguém está prevendo isso, mas é natural que as barbas fiquem de molho num ambiente já nervoso e incerto.

"Já havia menção ao cenário ruim no RTI anterior, mas as tintas pioraram", diz o gestor.

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A "solução" para acalmar o mercado foi a entrevista de ontem de Campos Neto na apresentação do RTI de março.

O presidente do BC firmou pé na sinalização de alta de 0,75pp em maio (fora a ocorrência de algo muito fora do cenário) e reafirmou que o ajuste será em duas etapas, sendo que a primeira vai deixar a Selic ainda estimulativa, o que quer dizer relevantemente abaixo da taxa neutra de cerca de 6,5%.

Para os que comungam da visão crítica exposta nesta coluna, o BC está gerando volatilidade no mercado desnecessariamente.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 26/3/2021, sexta-feira

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Opinião por Fernando Dantas
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