Muito analistas, operadores e profissionais próximos ao mercado financeiro passaram o fim de semana atônitos com a escalada verbal entre o presidente da República, Jair Bolsonaro, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Havia certo temor de um "banho de sangue" na reabertura dos mercados, mas esta projeção não levava em conta que a péssima sexta-feira foi também em grande parte um fenômeno global.
Com uma onda de temor de recessão mundial, houve queda generalizada de bolsas; sinais de "fuga para a qualidade" nas quedas da rentabilidade de títulos (o que significa maior demanda pelos papéis) públicos de países considerados portos seguros, como Estados Unidos e Alemanha, com inversão de curva de juros no primeiro e título de dez anos com rendimento negativo na segunda; e desvalorização de moedas de países emergentes.
Como sempre nesses episódios, a combinação de fatores externos e internos explica o grau de impacto em cada país. Os ativos da Turquia e do Brasil, com cenários internos fragilizados, foram particularmente atingidos.
E é exatamente essa combinação de fatores externos e internos que deve ditar as oscilações da bolsa, dos juros e do câmbio no Brasil no período à frente.
Ainda não é o "fim do mundo" que muitos observadores perplexos viram nos incompreensíveis ataques do governo a uma peça chave - Rodrigo Maia - para a aprovação a reforma da Previdência e na atitude aparente de Bolsonaro de "lavar as mãos" em relação à reforma depois de tê-la envidado ao Congresso.
Na verdade, Bolsonaro e os bolsonarismo agem por instinto e jogam o jogo político de forma inteiramente diferente de tudo o que se viu desde a redemocratização.
Sem dúvida, é hora de reprecificar para baixo a reforma da Previdência, em termos das chances de ser aprovado um projeto que traga as economias fiscais de pelo menos R$ 700 bilhões em dez anos, o cenário central do mercado até a semana passada.
Por outro lado, sepultar de vez as chances de passar uma reforma minimamente razoável e trabalhar com um cenário de apocalipse e fim prematuro do governo Bolsonaro parece exagerado. Exatamente pela total imprevisibilidade das ações do presidente e do seu círculo íntimo, novas viradas radicais de atuação política não devem ser descartadas. Estamos em mares nunca dantes navegados, e não é impossível que o presidente volte a tratar de maneira séria e menos inconsequente o principal projeto econômico da sua administração até agora.
Mas também tem de ser levado em consideração que alguns estragos já foram cometidos e que seus efeitos vão perdurar. Bolsonaro teve uma queda muito rápida de popularidade e a reforma dos militares (dando com uma mão o que se tirou com a outra) feriu profundamente a credibilidade do discurso de que desta vez as mudanças da Previdência atacarão privilégios e as perdas serão distribuídas de forma mais justa. É inegável que o presidente perdeu muito mais capital político em três meses do que seria de se esperar, e o governo vai ter que se virar com esta realidade daqui em diante.
O que se pode dizer com certeza dos eventos dos últimos dias é que o país e o governo entraram em zona de forte turbulência tanto externa como interna, de duração difícil de prever. A sociedade e o mercado vislumbraram uma nova faceta do governo Bolsonaro - uma tendência a, em determinadas circunstâncias, esticar a corda de insensatez a níveis extremos. Mas isso ainda não quer dizer que a insensatez necessariamente será a regra do jogo 100% do tempo. O país entrou em uma temporada de fortes emoções e grandes riscos.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 25/3/19, segunda-feira.