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Sempre há um caminho pelo meio

A bomba relógio da Previdência: a Grécia é o Brasil do futuro?

Após a quebra do Estado grego, consumido pelos enormes gastos públicos fixos, todos os países do mundo buscam formas de fugir de uma situação parecida. Mas, na área de aposentadorias e pensões, o Brasil pode caminhar para uma nova Grécia em dez anos, segundo especialista:

Por João Villaverde
Atualização:

Manifestações na Grécia contra os cortes de gastos públicos oferecidos pelo governo grego para evitar a quebra do Estado. ( Foto: AP, 2011)

Entre todas as turbulências que, como num efeito dominó, atingiram os países da Europa após a explosão da crise econômica mundial, a partir dos Estados Unidos em 2008, a mais severa foi na Grécia. Foram graves as destruições de emprego e renda na Itália, na Espanha, em Portugal, na Irlanda e, em menor medida, em praticamente todos os europeus. Mas o quadro vivido pelos gregos entre 2009 e 2015 foi, sem dúvida, mais dramático.

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A Grécia virou, então, um quadro clássico de estudos políticos, econômicos e sociais - uma espécie de Argentina (e suas crises seguidas de 1999 e 2001) para a atual geração. Toda e qualquer semelhança com a Grécia deve ser evitada e essa passou a ser a lição de casa número 1 de diversos governos em países em desenvolvimento e também entre os desenvolvidos.

Pois bem.

Se nada for feito pelo governo, o Brasil enfrentará, dentro de dez anos, mais ou menos, o mesmo que a Grécia viveu nos últimos meses. Essa é a avaliação do especialista em Previdência e contas públicas, Leonardo Rolim, consultor legislativo no Congresso e ex-secretário do Ministério da Previdência Social.

A pedido do Estadão, ele calculou a trajetória do déficit previdenciário do País ano a ano até 2050 e verificou que, quando o chamado "bônus demográfico" terminar, por volta do ano de 2027, o governo precisará encontrar R$ 222,5 bilhões, ou 2,9% do Produto Interno Bruto (PIB), para fechar o rombo. A título de comparação, o déficit agora em 2015 deve ser de R$ 89,9 bilhões, ou 1,5% do PIB.

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A partir da década de 2030, a piora nas contas será mais rápida. Com o fim do "bônus demográfico", a entrada de adultos jovens no mercado de trabalho não vai mais superar a aposentadoria dos idosos - ao contrário. O Brasil vai se assemelhar ao que ocorre na Europa e no Japão e passar a ter, ano após ano, um contingente maior de pessoas idosas do que jovens. No estudo feito por Rolim, o déficit da Previdência vai atingir impressionantes R$ 1 trilhão ao final do ano de 2050. O levantamento foi feito com a taxa de câmbio de 2015, isto é, com a simples atualização monetária, o buraco de R$ 1 trilhão será atingido antes, ainda.

"Com a mudança demográfica e o ritmo mais fraco de crescimento econômico, que são movimento interrelacionados, o quadro para a Previdência Social, se o regime não for alterado pelo governo, é caótico. Seremos uma Grécia de hoje dentro de dez anos e algo ainda pior anos depois. O Brasil está sempre preocupado com o curto prazo, como ocorre agora, mas o problema de médio e longo prazo é muito grave e precisa ser endereço agora", disse Rolim.

O especialista aponta serem necessárias mudanças urgentes no regime de aposentadorias e pensões do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) tanto em zonas urbanas quanto na área rural. Rolim defende a introdução da idade mínima de 65 anos, para homens e mulheres, concomitante à um aprimoramento do regime que foi instituído pelo governo Dilma Rousseff neste mês, o chamado "85/95 progressivo".

Pela nova regra, o cidadão que desejar "escapar" do fator previdenciário e receber integralmente a aposentadoria precisa acumular 85 pontos, para mulheres, e 95 para homens. Mulheres precisarão de uma contribuição mínima de 30 anos e homens de 35, que, somados à idade, precisam acumular a fórmula 85/95, respectivamente. A regra 85/95 valerá até 30 de dezembro de 2018. A lei fixa a progressividade da pontuação 85/95, com a soma do tempo de idade e contribuição subindo em um ponto a cada dois anos, a partir de 31 de dezembro de 2018, atingindo o máximo de 90/100 em 31 de dezembro de 2026.

O aprimoramento defendido por Rolim é que a progressividade precisa chegar a 105 pontos e esse valor precisa ser igual para homens e mulheres, como ocorre em países desenvolvidos.

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Ele também defende que o governo faça uma revisão geral dos benefícios rurais, uma vez que o INSS paga mais aposentadorias rurais do que há idosos morando no campo, segundo a mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad). "Como pode ter mais aposentados rurais do que idosos vivendo no campo? Não faz sentido", diz Rolim.

Reforma ampla, geral e irrestrita - já

Leonardo Rolim, que é consultor legislativo no Congresso e especialista em Previdência e contas públicas. Foto: Estadão

No sentido mais amplo, a Previdência precisa passar por reformas para tornar o sistema "pagável" pelo Estado, avalia o especialista. O regime previdenciário dos militares precisa ser alterado, para se assemelhar ao que existe para os servidores civis que ingressaram no governo federal a partir de 2013, que se aposentarão pela Funpresp.

Contando tudo, o governo deve gastar o equivalente a 12,7% do PIB com previdência em 2016, segundo Rolim. Nesta conta estão os regimes do INSS (que devem consumir 2,1% do PIB), o Benefício por Prestação Continuada (BPC), os servidores civis e militares da União, e os funcionários públicos de Estados e municípios. "A Espanha, que é um país muito 'mais velho' que o nosso, com uma proporção incrivelmente maior de idosos na sociedade, gastará cerca de 11% do PIB com previdência no ano que vem", aponta Rolim.

Para ele, o quadro atual de paralisia política não facilita a discussão pública sobre mudanças duras no regime previdenciário, mas o analista disse ter uma esperança. "Nesse vácuo do Executivo há um grupo de parlamentares que começa a se mexer, preocupado com essa dinâmica na Previdência. Isso é algo inédito, tenho muitos anos de Congresso e nunca vi isso. Talvez alguma proposta venha do Legislativo e permita uma discussão sobre o futuro das contas", afirmou Rolim.

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A presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO), senadora Rose de Freitas (PMDB-ES), pediu ao deputado Edmar Arruda (PSC-PR) que levante propostas para equilibrar a Previdência, no intuito de levá-las para discutir na CMO. Também o deputado Ricardo Barros (PP-PR), relator do Orçamento 2016, tem buscado a Consultoria Legislativa em busca de propostas para serem levadas aos ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Previdência, para envolver o Executivo na discussão.

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Não é simples realizar reformas nos sistemas previdenciários, principalmente porque os grupos de pressão neste caso são organizados e fortes. Um caso claro é a reforma que gerou a Funpresp.

Foram necessários três presidentes da República, num espaço de 15 anos, para se conseguir chegar numa reforma que, embora muito longe da ideal, ao menos permitirá uma melhora das contas públicas no futuro. O sistema de pensões ao funcionalismo federal claramente era insustentável: aposentava-se pelo último salário recebido. A reforma começou com uma emenda constitucional de Fernando Henrique Cardoso, passou pela formulação da Funpresp e o envio de um projeto de lei do Executivo ao Congresso, pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva e só foi concluída no governo Dilma Rousseff, com a aprovação da lei, no início de 2012, gerando primeiros efeitos a partir de 2013.

Como será feito o debate da Previdência - considerado crucial por 10 entre 10 analistas econômicos, de qualquer corrente ideológica - no Brasil de 2016?

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