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China dramatiza argumentos contra reajuste de minério

Por Josué Leonel
Atualização:

Todo mundo já deve ter ouvido algum empresário ou representante do setor produtivo no Brasil reclamando da avassaladora concorrência das indústrias chinesas. Com seus custos baixíssimos, amplo apoio oficial e escala mastodôntica, as fábricas chinesas conseguem produzir quase tudo, de calçados a computadores, de automóveis a roupas, por preços que são uma fração do custo de produção em outros países.   Pois agora é a vez de a China usar do mesmo expediente e culpar estrangeiros por suas dificuldades internas. E o bode expiatório da vez são as três maiores mineradoras internacionais, a Rio Tinto, a BHP e a brasileira Vale, que se encontram em uma acirrada negociação de reajuste para o minério de ferro com as siderúrgicas chinesas. Segundo relato do correspondente do Grupo Estado em Genebra, Jamil Chade, o representante do Centro de Pesquisas de Desenvolvimento do Conselho de Estado da China, Hu Jiangyun, acusou as três mineradoras de atuarem como um oligopólio.   O discurso de Hu abusa de expressões dramáticas sobre o impacto da alta do minério, que encarece a produção de aço na China, maior produtor mundial do produto. Ele afirma, por exemplo, que os preços impostos pelo "oligopólio" causam a quebra de empresas e o desemprego na China. "A situação doméstica da China não é fácil. Temos dificuldades sérias, com um aumento no número de empresas falindo, inflação e risco de desemprego", afirmou Hu.   O chinês citou entre os setores prejudicados pelo encarecimento do minério e do aço o automobilístico, que não conseguiria competir. "A renda desse setor e de outros, portanto, vem caindo", afirmou. É provável que Hu esteja relatando uma situação real. Afinal, os preços do minério vêm subindo aceleradamente nos últimos anos, o que certamente está afetando os custos de produção no país.   No entanto, os números que chegam ao Ocidente sobre a produção chinesa não parecem confirmar um quadro dramático do ponto de vista da competitividade do país asiático. Pelo contrário, em 2009, enquanto quase todo o mundo tentava vencer a recessão, a China tornou-se o maior produtor de automóveis, superando os EUA, e maior exportador do mundo, ultrapassando a Alemanha.   E, nos anos anteriores a 2009, não foi diferente. A cada ano, a China superou algum concorrente estrangeiro em algum segmento ou algum indicador da economia mundial. Agora em 2010, o quadro não deve mudar. Para este ano, a previsão é de que o PIB chinês supere o japonês como o segundo maior do mundo. Apesar desta escalada, Hu disse que a alta do minério gerou perdas de US$ 100 bilhões à economia chinesa nos últimos seis anos. Se o PIB chinês cresceu em torno de 10% ao ano neste período, quanto não teria sido o crescimento sem estas perdas?   O discurso de culpar estrangeiros pela quebra de empresas, na verdade, tem sido muito mais comum no sentido contrário: outros países culpando a concorrência chinesa pela falência de suas indústrias. E isto ocorre, muitas vezes silenciosamente, até mesmo em países que estão na fronteira do desenvolvimento econômico e tecnológico.   Em seu livro "A China Sacode o Mundo", de 2006, James Klinge conta como a competição chinesa varreu a outrora riquíssima indústria de equipamentos de Rockford, nos EUA, que incluía a Ingersoll, fornecedora da indústria aeroespacial e bélica americana e ícone do seu segmento. No lugar das indústrias, cujas máquinas foram compradas por chineses ou viraram sucata, surgiram lojas do Walmart e outras redes de desconto, vendendo produtos baratos, muitos deles fabricados na China.   Ao acusar estrangeiros por dificuldades domésticas, a China repete um discurso já feito por muitos empresários mundo afora contra a concorrência chinesa. No caso atual do braço de ferro do reajuste do minério, porém, se existe uma explicação para a alta dos preços, ela está não tanto no oligopólio das mineradoras, e sim no crescimento ilimitado da siderurgia da China, cuja capacidade de produção tornou-se maior que a de todos os principais competidores somados. Se as mineradoras estão cobrando mais caro pela oferta do minério é porque a demanda dos compradores está permitindo.

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