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Por Redação
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Com atraso, mas ainda a tempo, porque sempre é tempo de refletir sobre as políticas sociais e seus efeitos, sobretudo numa sociedade em uma parte dos bem-pensantes é tão resistente a elas, peço licença para comentar os resultados das pesquisas divulgadas pelo Ipea e pela FGV, na terça-feira. Na verdade, gostaria de comentar não propriamente os números revelados, já bem conhecidos e consistentemente convergentes, nos dois levantamentos, mas os comentários a eles.

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Conduzidos por dois dos mais experientes e apetrechados especialistas brasileiros em economia social e políticas públicas, Marcelo Néri (FGV) e Marcio Pochman (Ipea), ambos os levantamentos restringiram-se às principais regiões metropolitanas e coincidiram na fonte dos dados primários - a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE. Também estão praticamente juntos no período pesquisado: os estritos cinco anos de Lula até agora, no caso do Ipea, e apenas um ano a mais, 2002, o último de FHC, no caso da FGV.

Para o bem ou para o mal, a diferença não muda nada. Por isso, precisa ficar claro o seguinte: é do período Lula que os dois estão falando.

Uma outra diferença, a do tipo de renda escolhido em cada levantamento para delimitar as faixas da população - renda domiciliar, no caso da FGV; renda familiar per capita, no caso do Ipea -, também não muda muita coisa. Ambos são retratos estáticos de momentos e, por isso, não afetam tanto os resultados gerais. Por isso, também precisa ficar claro o seguinte: eles estão apontando bons resultados sociais alcançados no período Lula.

Mas, se os resultados, no geral, convergiram, as explicações para eles deram-se as costas. O trabalho do Ipea, que apontou uma expressiva redução da pobreza, aumento da classe média e até dos ricos, ficou em segundo plano, nas decisões de edição dos jornalões. As explicações de Pochman para o fenômeno - crescimento econômico, aumentos reais do salário mínimo, programas de transferência de renda e incentivos à agricultura familiar - entraram na história em terceiro ou quarto plano, a vôo de pássaro. A notícia de que o Brasil passou a ser um país de classe média, ainda que o cidadão do piso dessa classe média seja pobre, pois com 2,5 salários mínimos, de classe média ele só deve ter a vontade, ganhou muito mais visibilidade.

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Houve mesmo quem gastasse tinta e papel para dizer, que os dados do Ipea eram requentados e turbinados. Se fossem, os da FGV igualmente o seriam. Um equívoco provavelmente com origem em antagonismos políticos e, no fim das contas, irrelevante.

Já o estudo da FGV, que apontou a novidade de ter o Brasil se transformado num país com maioria de classe média, mereceu destaque em geral maior. Maior destaque ainda ganhou a explicação de Neri para seu achado: O aumento da classe média, a redução da pobreza e a melhoria na distribuição de renda, segundo o pesquisador da FGV, se devia à ampliação do emprego formal.

Essa explicação recebeu da mídia uma interpretação rápida e rasteira: o avanço social incontornável - e, por azar, ainda por cima ocorrido no governo Lula - não teria nada a ver com os programas sociais aprofundados e acelerados por Lula.

Seria tudo fruto apenas do esforço e do trabalho individual de cada um. Como se o emprego - e ainda mais o emprego formal - não tivesse relação com o crescimento da economia. E como se o crescimento da economia, em especial o ocorrido no período analisado, que se deu pelo aquecimento do mercado interno, não guardasse qualquer relação com os fortes aumentos reais do salário mínimo e os programas de transferência de renda - inclusive a Previdência, preservada de ataques virulentos, mantidos e aprofundados no governo Lula.

Pode-se até dizer, como aliás disseram, que a estabilidade monetária serviu de base para o progresso registrado nos indicadores sociais. Mas a estabilidade, se é condição necessária para o crescimento da economia, está longe de ser suficiente. Prova disso é que, no período de inflação muito baixa antes de Lula, a economia registrou crescimento pífio, com modesta redução da desigualdade e da pobreza, depois do primeiro momento de estabilização.

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É preciso, portanto, caso não se esteja aprisionado numa couraça ideológica, reconhecer que algum outro fator entrou em cena para produzir o resultado positivo agora apurado. Afinal, a expansão da classe média e o crescimento do emprego formal não nascem do ovo.

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Aumentos reais expressivos do salário mínimo são novidades do período lulista, assim como a disseminação do Bolsa Família e o incremento nos recursos destinados à agricultura familiar. Idem para os cerca de quase 10 milhões de novos postos de trabalho formais, conseqüência do crescimento econômico, impulsionado por uma série de fatores, inclusive os programas sociais. Como a estabilidade, os programas sociais podem não explicar todos os movimentos ocorridos, no período Lula, na estrutura social. Mas sem incluí-los qualquer explicação ficará capenga.

Preocupados em varrer para debaixo do tapete o impacto dos programas sociais, empreendidos por Lula, na descompressão da mobilidade social e na distribuição de renda, muita gente boa perdeu a oportunidade de ficar calada. Ou, pelo menos, de lembrar que, embora os avanços sejam incontestáveis, ainda estamos a anos-luz do fim da história. Mesmo com os progressos agora revelados, a concentração de renda, no Brasil, ainda é vergonhosa e o contingente de pobres continua muito acima do que se esperaria de um país com as condições e o potencial do Brasil.

Pareciam os inquisidores de Galileu, temerosos de olhar pelo telescópio e enxergar o que não queriam ver - que a Terra não era o centro do universo. Nos tempos do grande físico e matemático italiano da Renascença, de nada adiantou não querer ver. Esconder ou chicotear os fatos não vai fazê-los desaparecer.

Podem querer não enxergar que os programas sociais cumprem papel central na redução das desigualdades e da pobreza. Mas sempre haverá galileus para insistir na verdade: e pur si muove!

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