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Por Redação
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Não é só a telefonia celular que passa, no momento, por turbulências econômicas e políticas. Não custa lembrar, até porque a repercussão da suspensão da venda de linhas ofuscou qualquer outra, também há, neste momento, turbulências da mesma natureza no setor de planos privados de saúde. Dias antes da suspensão da venda de linhas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), três dezenas de empresas foram proibidas pela Agência Nacional de Saúde complementar (ANS) de comercializar quase três centenas de modalidades desses planos.

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Foi a mesma a motivação para os breques, nos dois segmentos: as empresas estavam vendendo mais serviços do que eram capazes de entregar, com um padrão mínimo exigido de eficiência e qualidade. No caso dos celulares, as reclamações de queda de sinal e de demora no atendimento em call centers, que se contam, há tempos, aos milhares por ano, haviam disparado. O mesmo ocorre com os planos de saúde, cujos prazos para consultas e exames vinham aumentando em proporções alarmantes - sem falar no aumento dos conflitos, muitas vezes levados aos tribunais, em relação a cobranças por procedimentos em internações.

As medidas oficiais, como não poderia deixar de ser, deflagraram um debate aceso sobre as responsabilidades pela inconteste má prestação dos serviços. Da pura e simples ganância das empresas à incompetência e inoperância dos órgãos reguladores, passando pelos marcos regulatórios defasados ou inadequados, sobrou para todos de tudo um pouco.

Um dos riscos desse debate - que dá atualidade à velha máxima segundo a qual em casa que falta pão todos brigam e ninguém tem razão -, é propiciar o (re)surgimento de algum tipo de ideia retrógrada sobre o valor da privatização de serviços públicos.Afinal, entre os setores atingidos pelas medidas restritivas, está o setor de telefonia, ícone das privatizações brasileiras.

Mesmo sem estender a observação para outros mercados, as experiências locais já acumulam quilometragem suficiente para provar que, se a operação privada de serviços públicos não é isenta de falhas, as possíveis desvantagens da operação pública desses serviços são muito maiores.  Os esforços na direção da assegurar a eficiência dos serviços, portanto, deveriam se concentrar no diagnóstico e na correção dessas falhas.

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A ideia mestre das privatizações é a de que os mercados são sempre mais eficientes na alocação de recursos e, além do mais, estão protegidos de interferências políticas. Trata-se de uma lógica que se assenta em princípios teóricos desenvolvidos entre o fim do século 19 e início do século 20, notadamente pelos economistas das correntes neoclássicas.

É costume, no entanto, esquecer que essa formulação partia de um modelo abstrato, no qual prevalece a estrutura  de um mercado de concorrência perfeita. Nesse mercado, em que não há barreiras de entrada aos que dele desejarem participar, o preço é determinado livremente pelo encontro da demanda com a oferta. Não é essa, porém, a realidade, muito menos no caso dos serviços públicos. Pela própria exigência de grandes investimentos, nos serviços públicos, o regime de mercado universal é o de oligopólio.

Mercados oligopolísticos se caracterizam pelo grande número de consumidores ou usuários atendidos por pequeno número de ofertantes , que diferenciam os serviços oferecidos basicamente pela propaganda de suas qualidades, em relação ao preço cobrado. Não se pode, aqui, falar em "eficiência", no sentido da alocação ótima de recursos, ao preço que assegura o "lucro normal", que lhe confere a concorrência perfeita. Aí estão os cartéis - expressão radical dos oligopólios -, para lembrar que é possível obter o máximo de lucro com um mínimo de eficiência no atendimento dos interessados.

A invenção das agências reguladoras é um derivado óbvio dessa constatação. Em todas as partes do mundo, elas foram criadas justamente para evitar que, na prestação de serviços públicos, normalmente essenciais para as pessoas - e, por isso, quase impossíveis de descartar, fato que limita a capacidade de formação estrita de preços em mercado - a lucratividade almejada pelas empresas pudesse ser alcançada com o mínimo de eficiência na oferta dos serviços.

Tudo considerado, cada um, nessa história, pode escolher o vilão ou o mocinho que bem entender. Mas, a verdade é que, se as empresas falham em vender o que não podem entregar, falham também as agências reguladoras que não impedem no nascedouro esse tipo de prática destrutiva.

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