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Macarronada tributária

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Por Redação
Atualização:

É mais do que sabido que o sistema tributário brasileiro é tão ruim que nem um colégio dos maiores tributaristas, se provocado, conseguiria produzir algo pior. Além do caráter regressivo e da indução distorcida ao desenvolvimento econômico, nos aspectos formais, nosso sistema é detalhista ao extremo, acumula camadas de leis e normas sobrepostas e reúne uma quantidade anormal de textos imprecisos.

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Trata-se de uma indigesta macarronada tributária, que leva a um número absurdo de litígios entre contribuintes e fisco, nas esferas administrativa e judicial. Prova da anomalia do sistema, o estoque de disputas passa fácil do milhão e os valores envolvidos equivalem, por baixo, a um quarto do PIB.

Uma interessante aproximação desse gravíssimo problema, que afeta, de forma direta e indireta, a competitividade e o potencial de crescimento da economia, foi oferecida em artigo publicado ontem no Estado pelo ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda Bernard Appy, hoje diretor da LCA Consultores, e pela economista da LCA Lorreine Messias. O texto ajuda a dimensionar a energia produtiva e os recursos financeiros que descem pelo ralo do ambiente tributário conturbado. Sem falar nas óbvias dificuldades, sobretudo para os investimentos, que a insegurança jurídica, bem nutrida pela malha infernal de regras e procedimentos incertos, acaba acarretando.

Dados da OCDE, mencionados no artigo, colocam o Brasil na terceira posição, numa comparação entre 18 países, com maior volume de recursos envolvidos em contenciosos tributários. Mas, com base em estudo de Lorreine Messias, apresentado em setembro do ano passado à Escola de Direito de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, o País deve ocupar, com grande folga, o posto de campeão da indesejável modalidade.

Só em disputas administrativas, nas esfera federal, o volume de recursos envolvidos alcança 11% do PIB. Se fossem incluídas as disputas tributárias na Justiça e no âmbito administrativo regional, abarcando estados e municípios, o porcentual sem dúvida ficaria anos-luz acima do captado no levantamento da OCDE. Quando se sabe que, nos demais países analisados, a mediana do valor total dos contenciosos não passa de 0,2% do PIB, tem-se uma ideia do tamanho das distorções brasileiras.

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Difícil escolher qual o maior problema entre tantos que povoam o mundo tributário nacional. Mas a sobreposição de normas e procedimentos é certamente um dos mais danosos. Leis, normas e regras vão sendo produzidas e empilhadas uma sobre as outras, sem que haja preocupação em adequar novos e antigos procedimentos.

Um bom exemplo dessa barafunda é a apuração do ganho capital em transações imobiliárias, para efeitos de Imposto de Renda. A regra manda apurar o chamado lucro imobiliário e pagá-lo até o último dia útil do mês seguinte ao da venda do imóvel. Mas a "MP do Bem", de 2005, permite abater, no cálculo do lucro, obedecidas algumas limitações, a parcela utilizada na compra de um outro imóvel, adquirido em até 180 dias da operação que gerou o tributo.

OK, é um estímulo justo para quem não está mais do que trocando de residência. Se, contudo, o novo imóvel for adquirido depois dos 30 dias da regra "normal", ainda que dentro dos 180 dias previsto na MP,  o infeliz contribuinte terá, sim, direito ao abatimento, mas terá de pagar multa, juros e correção monetária pelo prazo que ultrapassar os 30 dias da venda de sua casa. Na prática, a teoria tributária brasileira é outra.

Tudo isso só torna mais nítida a prioridade das prioridades, caso se queira começar, de fato, um ataque às nossas inúmeras e danosas distorções tributárias. Antes de grandes reformas, politicamente complexas porque afetam, necessariamente, o status quo fiscal, uma faxina em regra na legislação, eliminando sobreposições e simplificando procedimentos, traria uma grande e positiva contribuição ao ambiente de negócios no País.

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