Soluções simples podem ser equivocadas

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Por Redação
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A série de cadernos especiais "Desafios do novo presidente", que está sendo publicado pelo Estadão, trouxe, nesta segunda-feira, o tema da economia. O caderno traz retratos competentes dos gargalos ao desenvolvimento brasileiro. Traz também o até agora mais claro resumo das ideias ainda nebulosas dos principais candidatos à Presidência para a condução da política econômica depois das eleições, a partir de entrevistas com os responsáveis pela elaboração de seus programas econômicos.

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Esse conjunto alentado de informações dá a entender que nenhum dos principais candidatos se dispõe a enfrentar a pedreira das reformas mais estruturais - a começar da mãe de todos elas, a reforma tributária. Não é que seja indispensável para assegurar o crescimento. Apenas a tarefa fica mais difícil e os esforços exigidos, maiores.

Mais ou menos como ocorreria, na área monetária, se vencendo as eleições, Dilma Rousseff decidisse reduzir o centro da meta de inflação: cortarr os juros básicos e aliviar pressões que, por conta dos juros mais altos, levam a valorizar o real - movimentos necessários para um crescimento mais harmonioso -, não seria impossível, mas o esforço fiscal, certamente, teria de ser maior.

Esta redução do centro da meta de inflação, por sinal, é parte do efeitivo programa econômico que o ex-ministro Antonio Palocci, coordenador da campanha de Dilma Rousseff, pela primeira vez de viva-voz, anunciou à colega Patrícia Campos Melo, em reportagem no caderno especial (e que também está, sem a declaração direta de Palocci, na Folha de S. Paulo desta segunda-feira).

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Em matéria de desafios para o próximo presidente, poucos temas são mais evidentes do que as chamadas reformas estruturais. Sobre esse imenso desafio, que os candidatos não parecem dispostos a enfrentar, segue o texto que escrevi para o caderno especial do Estadão, publicado neste 23 de agoisto de 2010:

 

Soluções simples podem ser equivocadas

Se convidassem os maiores especialistas e pedissem que elaborassem o pior sistema tributário que conseguissem, eles não seriam capazes de criar nada que chegasse aos pés do sistema brasileiro. Nosso sistema tributário taxa mais quem pode menos, desestimula a produção e o emprego, opera com um agente gerador de conflitos federativos e o retorno social é baixo - sem falar na absoluta falta de transparência em relação ao que é taxado. Pior ainda: para produzir toda essa desarrumação, o sistema se vale de uma carga tributária muito acima do razoável, cozinhada numa mistura de leis, decretos e portarias difícil de digerir e custosa para cumprir. É um enorme pacote em que se juntam aspectos propriamente tributários com questões trabalhistas e previdenciárias. Não há como atacar os desajustes dessas duas últimas sem resolver os impasses da primeira.

Formou-se já há algum tempo um consenso em torno da necessidade dessas reformas. Mas governo após governo, a questão permanece como desafio a ser superado. Parece um enigma insolúvel quando, na verdade, a explicação para o imobilismo é relativamente fácil de encontrar. Não é o contribuinte, ou mesmo o desenvolvimento econômico, o foco das reformas. No centro do palco - e das disputas pelos recursos - estão a União e os Estados.

É preciso, antes de tudo, não esquecer que este é um daqueles problemas complexos para os quais não existem soluções simples - as que apresentam como simples são equivocadas. Por isso, os sonhos de substituir a imensa teia de tributos por umas poucas contribuições ou até uma contribuição única são tão sedutores quanto desastrosos. A "solução" simples acentuaria o caráter regressivo do sistema e desordenaria as relações entre as cadeias produtivas.

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De qualquer modo, é preciso simplificar. Afinal, para cumprir as exigências tributárias, as empresas, conforme o tamanho, gastam de 0,5% a 1,5% de seu faturamento e consomem quase 10% do tempo de sua atividade - o dobro de suas vizinhas latino-americanas. A desejada simplificação, contudo, é, na prática, inviável sem uma revisão geral. Um olhar um pouco mais detalhado para a carga tributária ajuda a entender a lógica dura dessa constatação. A União responde por cerca de 70% do total da arrecadação, mas é o ICMS o item isolado de maior peso. Sozinho, o tributo estadual é responsável por um quinto da carga tributária total e garante 80% das receitas dos Estados. É vital para eles.

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Substituir o ICMS por um imposto de valor adicionado (IVA), cobrado no destino, tem sido a tônica de quase todas as propostas que, há pelo menos duas décadas, são enviadas pelo Executivo ao Congresso. A vasta e complexa legislação do ICMS desapareceria instantaneamente e, com a cobrança no destino, o sistema tributário passaria a colaborar na desconcentração da renda regional, diferentemente do que ocorre hoje.

Meses de debates parlamentares, em que prevalecem os interesses das bancadas estaduais, terminam, no entanto, por desvirtuar os projetos, tornando-os inviáveis de serem postos em prática. E ainda bem, pois, se houvesse acordo, a carga tributária necessária para atender aos interesses em conflito teria de ser ainda maior.

O caráter regressivo do sistema tributário, que privilegia a taxação da produção e do consumo, em detrimento de uma maior contribuição da renda e do patrimônio, também acaba produzindo impactos negativos em outros departamentos. É o caso das relações trabalhistas, para as quais igualmente há antigas demandas reformistas.

Um dos principais apelos dessa reforma é o da desoneração da folha de pagamentos. Ocorre que mais da metade do ônus sobre os salários deriva de contribuições sociais - INSS, FGTS, sistema S e até Incra. Todas com peso não desprezível na formação da carga tributária.

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Enquanto outros países sustentam programas sociais preferencialmente com os impostos sobre renda e patrimônio, a opção brasileira foi deixar parte relevante da tarefa para a folha de salários. Desonerá-la, a esta altura, sem uma prévia reforma tributária, é missão sem luz no fim do túnel. Como no caso da substituição do ICMS, exigiria aumento da carga tributária por outros canais.

Não seria muito diferente com a Previdência. No âmbito do regime geral do INSS, que abrange o setor privado, o imbróglio envolve, de um lado, aspectos atuariais e, de outro, questões fiscais. Também aqui será necessário enfrentar escolhas difíceis para o impasse criado pela Constituição de 1988, que prevê a sustentação, pela seguridade social, daqueles que, sendo pobres e não tendo contribuído, necessitam de amparo na velhice. E, de novo, a carga tributária corre o risco de ser chamada a resolvê-lo.

A conclusão mais consistente para o desafio das reformas é a menos cômoda: os sistemas tributário, trabalhista e previdenciário estão entrelaçados e, portanto, são pequenas as chances de êxito se a reforma de um não vier acompanhada da reforma dos outros. É tarefa árdua, mas as hesitações e tergiversações dos últimos anos mostram que, quanto mais demorar para fazer as reformas, mais difícil será fazê-las.

Publicado no caderno Desafios do novo presidente - a economia do novo governo, Estado de S.Paulo, 23/08/2010

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