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Opinião|Nomadismo organizacional

A nostalgia às avessas, o desejo por mais uma terra desconhecida, ficou muito mais forte na primavera.  Vladimir Nabokov

Atualização:
 Foto: Estadão

Nossa primavera está sendo ansiosamente aguardada com o final da pandemia. A parte nômade de nosso espírito aguarda. Nômades digitais, pessoas vivendo em motorhomes, pessoas peregrinando pelo mundo, de hotel em hotel. O nomadismo nos remete à liberdade perdida nos últimos tempos. 

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Até 8 mil anos atrás éramos forrageadores - mudando com as estações do ano ou com os movimentos de nossa caça. Quando nos assentamos, nossos cérebros desenhados para achar muito satisfatório buscar novidades, contrastes, informação nova, buscaram satisfazer essa necessidade pelo novo buscando conforto, segurança, estrutura. 

Mas essa pandemia parece ter reacendido a chama do estilo de vida nômade. Mas gostaria de ir um pouco mais fundo em relação ao conceito de nômade digital, superficialmente visto como ir de hotel em hotel, cobrir o passaporte de vistos. Mesmo se considerarmos apenas essa parte mais superficial, de acordo com dados da Bloomberg, considerando apenas os Estados Unidos, o número de nômades digitais cresceu de 7,3 milhões em 2019 a aproximadamente 10,9 milhões em 2021. 

De maneira geral, as sociedades nômades priorizam as dimensões cultural e social. O que significa, mais profundamente, ser nômade? Significa cultivar curiosidade cultural e tolerância.  Graças ao fluxo constante de novas pessoas e sensações a que os nômades se expõem, a curiosidade cultural sobre a alteridade, sobre aprender novas habilidades e tecnologias vem naturalmente.  Essa curiosidade cultural anda de mão dada com a tolerância a diferenças religiosas, línguas e linguagens, jeito de vestir, status.  

Há uma certa fluidez existencial: O nomadismo é uma forma de pensar o mundo, os ciclos da vida, as interações com a natureza, e o incessante movimento da alma humana. O que aconteceria se a divisão entre vida real e férias desse lugar à vida e trabalho à moda nômade?

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Para atrair e reter os profissionais nômades, o nomadismo talvez precise transcender o estilo de vida para se tornar uma qualidade organizacional. O home office já tinha apelo para muito antes mesmo da pandemia.  Mas, ironicamente, passar tanto tempo em casa de certa forma nos fez perder o senso de lar. Talvez por isso saímos a buscá-lo em outros lugares. 

E se nossos locais de trabalho se tornassem destinos que pudessem satisfazer nossa vontade inata de viajar? Talvez as organizações possam transcender o espaço físico e ter um espírito nômade.  Como seria ter fluidez, curiosidade e tolerância? Que qualidades as organizações teriam? 

Propósito efêmero, mas enraizado: As organizações nômades adotam movimento e aceitam impermanência. O trabalho deixa de ser algo que fazemos para ser algo que experimentamos. As organizações evoluem e com elas o seu foco - de mecânico (produtividade) para plataforma (criatividade) e finalmente jornada (propósito). 

Simples, mas generoso: As organizações nômades prosperam sob restrições materiais e adotam a mentalidade do fazer mais com menos para lidar com os desafios. Diferentemente da eficiência, a simplicidade implica usar recursos limitados da forma mais criativa, não apenas para aumentar a produtividade, mas para inovar de forma inclusiva. As organizações nômades baseiam-se na confiança e generosidade tanto de seus colaboradores como outros atores que encontram em suas jornadas. E para gerar tais respostas, elas devem oferecer algo sem expectativa de recíproca imediata. Ou seja, CUIDAR, algo importante para se ter em mente quando a organização se vê como parte de uma comunidade maior. 

Vivendo a narrativa:  Conforme as estruturas formais mostram sinais de colapso e a complexidade cresce em mercados e sociedades cada vez mais pluralistas, nos resta uma âncora  que substitui lares e estruturas permanentes é a IDENTIDADE. Identidade se cria e cultiva através das histórias que contamos. Para as organizações nômades, narrar as viagens e jornadas é tão importante quanto a jornada em si.  Cada jornada é uma história, e quanto mais delas temos, as individuais e as coletivas, mais ricas se tornarão nossas histórias e  reduziremos o risco de termos uma única história, que pode ser facilmente confundida com a verdade.  Além de dar espaço para uma multiplicidade de histórias, uma organização nômade transforma sua história de tempos em tempos. Para que um negócio seja inspirador, interessante e crescente, ele tem que ser uma obra em progresso/ uma obra inacabada. 

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Algumas perguntas para alimentar o espírito nômade:  
  1. Onde quer ir?
  2. O que espera encontrar lá?
  3. A viagem muda as pessoas?
  4. Qual a diferença entre turista, visitante e hóspede/convidado?
  5. Por quanto tempo foi preciso se perder para finalmente se encontrar?
  6. Quais fronteiras você valoriza?
  7. Há algum trabalho seu que precise deixar para trás quando você partir?
  8. O que vai levar consigo?
  9. Onde há questões pendentes?

Opinião por Claudia Miranda Gonçalves
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