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O andar do economista bêbado

50 tons de vermelho nas crises cambiais

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Por Luciano Sobral
Atualização:

Levou menos de um mês para os mercados de câmbio aprontarem a primeira surpresa de 2014. Se as resposta de alguns bancos centrais - maxidesvalorização na Argentina, choque de juros na Turquia, as "rações" de dólares ao mercado que o BC brasileiro vem fornecendo há algum tempo - lembram algumas grandes crises do passado, o contexto global atual é tão distinto, e as diferenças entre os países tão grandes a ponto de tornar impossível usar a história como mapa para o futuro.

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Como as famílias infelizes de Tolstói, os protótipos de crises cambiais recentes também são cada um a sua maneira. Argentina, como a Venezuela, tenta sustentar um regime de múltiplas taxas de câmbio, que cada vez favorece mais quem tem acesso a dólares ao câmbio oficial e pode, com pouco esforço, fazer fortunas no mercado negro (que é abastecido de alguma maneira, não só com malas de dinheiro vindas do Uruguai). Ambos os países têm visto suas reservas internacionais diminuírem a uma velocidade alarmante, e dificilmente vão escapar de mais desvalorizações no câmbio oficial. Se a Venezuela ainda consegue acessar os mercados internacionais via a companhia estatal de petróleo (PDVSA), em caso de aprofundamento, a Argentina pode ser forçada a abandonar a heterodoxia e abraçar um pacote de ajuste com a chancela do FMI ou algum outro organismo multilateral.

A Turquia lida com seu crônico problema de déficit em conta corrente, que deve ser resolvido (como foi em outros países da Europa ocidental após a crise) de forma relativamente simples, com desvalorização da moeda e juros mais altos. Em certa medida, é onde se encaixa o Brasil, com a diferença que por aqui o boom de commodities permitiu a construção de um muro de reservas internacionais que dificulta um ataque especulativo clássico e dá mais margem de manobra ao banco central para seguir usando o câmbio como instrumento para controle da inflação. Também os dois países têm em comum certa desilusão dos mercados, que antes tornavam fáceis os financiamentos dos déficits externos via investimento direto e em portifólio. O desempenho dos investimentos nesses países nos últimos anos torna cada vez mais difícil a venda da história de crescimento e altos retornos, agravada recentemente pelas perdas com o descasamento de moedas entre os passivos e ativos dos investidores internacionais.

A mudança de direção desses investidores talvez seja a grande história por trás dos movimentos recentes. Por qualquer que seja a razão - expectativa de alta de juros nos EUA, descolamento entre os retornos esperados e observados, desapontamento com a condução das políticas econômicas, piora dos fundamentos - o dinheiro que antes fluía do mundo desenvolvido para os emergentes começa a voltar para as moedas "fortes". Sai a "convergência", volta o "paradoxo de Lucas", onde estoques de capitais mais baixos e expectativas de retornos mais altos não atraem a poupança global. Nesse mundo, parece mais atrativo voltar a comprar títulos da Espanha a taxas abaixo de 4% anuais (ou da Grécia a 8,4%) do que buscar os retornos de duplo dígito que oferecem os papéis do tesouro brasileiro. O medo de desvalorização da moeda domina qualquer diferença nos juros.

Parte importante (e frequentemente esquecida) da história de sucesso dos governos do Brasil e outros emergentes desde 2002 foi a recuperação de preços de ativos a partir de níveis fortemente deprimidos, seguindo uma máxima do dólar contra as moedas de seus principais parceiros comerciais. A atual correção desse movimento tem tirado margem de manobra na condução depolíticas econômicas de diversos países (que, na tentativa de recuperar uma elusiva confiança dos mercados, voltam para algo parecido ao Consenso de Washington) e tem o potencial de mudar o panorama político onde eleições gerais se aproximam. Se há grandes diferenças entre os fundamentos dos distintos países que sofrem com fuga de investimentos, talvez isso só passe a ficar claro após a onda de liquidação, importando pouco o que dizem seus governantes e reforçando o poder do imponderável na escrita da história.

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Este artigo foi publicado originalmente na AE-News/Broadcast

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