Foto do(a) blog

O andar do economista bêbado

Imagina na Copa (versão transporte aéreo e hotéis)

PUBLICIDADE

Por Luciano Sobral
Atualização:

Noticiou-se no fim de semana que o governo avalia alternativas para evitar a cobrança de preços "abusivos" durante a Copa do Mundo. Os principais potenciais "abusadores" são hotéis e companhias aéreas, sendo que, no caso destas, estuda-se abrir, por meio de medida provisória, o mercado de voos domésticos para companhias estrangeiras. Nas palavras da ministra chefe da casa civil Gleisi Hoffmann, em entrevista para a Folha de S. Paulo: "Queremos que os preços deem retorno para os empresários, mas que sejam preços justos na época dos grandes eventos." A definição de "preço justo", no caso, passa por qualquer metodologia, menos a mais simples e menos arbitrária: deixar o mercado definir.

PUBLICIDADE

Há várias boas justificativas para intervenção no mecanismo de preços livres, mas nenhuma parece se aplicar aqui: existem fornecedores, clientes, boa informação e nenhuma essencialidade ou externalidade -- imagino que nenhuma criança vá morrer de fome porque os pais pagaram alguns múltiplos do preço regular por uma passagem para ver um jogo da Copa, e é preciso um malabarismo mental para ver o benefício de algum subsídio para além de quem o recebe diretamente. Há, sim, o que se espera quando uma procura crescente encontra uma oferta fixa e limitada: preços mais altos. Ninguém se espanta ao saber que é mais caro do que o normal chegar e ficar em Roma para a posse do Papa, em Meca para o Hajj ou em Paris para a chegada do Tour de France; o que há de tão diferente com o Brasil, de oferta há tempos sabidamente limitada (como exemplo, lembro-me de uma simples reunião anual do Banco Interamericano de Desenvolvimento que causou o caos no mercado de voos para e acomodações em Belo Horizonte, em 2006), e a Copa?

A intervenção seria particularmente danosa para o setor transporte aéreo. Para que a conta feche, em um negócio de operação extremamente complexa e margens apertadas, as companhias dependem de uma estratégia de discriminação de preços - ou seja, separar a procura total em quantos grupos for possível (por origem, destino, tempo de estadia, horários, época do ano, tipo de consumidor, etc) e cobrar preços diferentes para cada um deles. Isso tanto traz mais lucros para as companhias quanto aumenta a probabilidade de que cada cliente consiga uma passagem pelo preço que pode ou está disposto a pagar.

Discriminação de preços é uma estratégia monopolista (em concorrência perfeita, os preços são dados pelo mercado, não fixados pelos vendedores), mas não necessariamente é prova de abuso de poder econômico: pode ser simplesmente uma forma das empresas se viabilizarem quando a demanda de um setor é volátil e os lucros relativamente pequenos (a quintessência desse modelo é a Amazon, que muda milhões de preços todos os dias, vende mais de US$ 60 bilhões anualmente e briga para ter margens minimamente positivas, até agora, sem muito sucesso). No caso das companhias aéreas brasileiras, parece ser este o caso: se de fato houvesse ganhos de monopólio, os preços "abusivos" deveriam trazer grandes lucros para os acionistas das empresas (descartadas as hipóteses de fraude ou enriquecimento ilícito de executivos). Nem de longe é o que tem ocorrido: basta olhar os recorrentes prejuízos reportados por TAM e Gol nos últimos anos.

A abertura do mercado para competição estrangeira é, sem dúvidas, bem-vinda: aumenta a competição e o leque de escolhas em um mercado ainda pouco maduro, forçando as empresas nacionais a melhorarem a gestão e a produtividade. No entanto, não seria surpresa se isso não levar a uma redução significativa nas tarifas e a culpa pelos preços permanentemente altos vá para o batido "custo Brasil". De qualquer forma, se a abertura vier, que seja definitiva, não apenas episódica e como um instrumento para chegar a "preços justos" arbitrários.

Publicidade

O episódio demonstra, mais uma vez, o desprezo desta equipe econômica pelo mecanismo de preços de mercado. Eventos como a Copa seriam grandes oportunidades para que as companhias pudessem, temporariamente, aumentar as margens, acumular algum lucro e, no futuro, depender menos de eventuais ajudas do governo para continuarem em operação. Infelizmente, prefere-se intervir tanto na bonança quanto na tempestade, como se o lucro, mesmo que temporário, seja imoral e as empresas estejam condenadas a comer na mão do governo. Talvez esta seja mesmo a principal intenção de fundo.

 

 

Este artigo foi publicado originalmente na AE-News/Broadcast

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.