Em 2014, quando as primeiras reportagens econômicas sobre as chamadas pedaladas fiscais tentavam mostrar o alcance das manobras contábeis praticadas pela equipe econômica da ex-presidente Dilma Rousseff, o governo fazia pouco caso sobre os riscos de continuar afrontando a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Na época, o que se ouvia no Palácio do Planalto e na equipe econômica era que não havia problemas com a investigação do Tribunal de Contas da União (TCU) porque tudo estava sendo feito dentro das regras. O discurso que seguiu à decisão do tribunal de contas de iniciar as diligências para investigar os atrasos nos pagamentos aos bancos públicos, o que ficou conhecido popularmente como pedaladas, foi o de minimizar a fiscalização.
Os responsáveis pelas pedaladas se apoiavam no tecnicismo e na complexidade do tema para esconder o que estava por trás da operações fiscais. Senadores e deputados, que agora condenaram a presidente pela prática das pedaladas, também fizeram vista grossa sobre o que estava ocorrendo com as contas públicas.
Hoje, se sabe que um verdadeiro arcabouço instrumental, que incluiu a edição de portarias e decretos, foi construído para legitimar as práticas que mais tarde foram consideradas ilegais pelo TCU. Demorou mais de um ano para que as pedaladas começassem a ser melhor compreendidas. Mas, aí, o estrago já estava feito.
Com o programa da repatriação de recursos enviados ilegalmente ao exterior ocorre algo parecido. Os que querem agora mudar a lei - movimento patrocinado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) - se apoiam na complexidade do tema tributário e penal que envolve a lei para esconderem a real motivação de flexibilizar as regras: pagar menos impostos e favorecer políticos.
Autoridades do governo, que condenam nos bastidores as mudanças na lei, têm evitado comprar briga com o Congresso, principalmente porque precisam afastar as resistências às medidas do ajuste fiscal. Desde o início, já se sabia que as mudanças estão sendo feitas para que políticos, detentores de cargos públicos e seus familiares possam aderir ao programa com a vantagem da anistia penal.
Mas no corpo técnico da área econômica, principalmente da Receita Federal e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, cresce a indignação com a omissão dos dirigentes públicos. É uma movimentação semelhante a que aconteceu no Tesouro Nacional, quando coordenadores do órgão iniciaram uma rebelião contra as manobras contábeis praticadas pelo ex-secretário Arno Augustin.
O Ministério Público Federal acompanha essa articulação em torno de mudanças na lei e, se necessário, poderá recorrer ao Supremo Tribunal Federal para anular eventuais mudanças.
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