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O caso do comercial "protesto" da Pepsi ou como as marcas estão perdidas

Há uma categoria de marca chamada no mundo do marketing de "challenger". Elas não são líderes de mercado e exatamente por isso podem ser mais ousadas e provocadoras, fazendo bom uso dessa posição, angariando fãs, especialmente aqueles são contra elites e monopólio de poder. A Pepsi encontra-se nessa categoria e construiu muito bem sua história. Sou do tempo em que a marca fazia seus grandes lançamentos com clipes incríveis, estrelados por Michael Jackson e Madonna, respectivamente, no auge de suas carreiras, em megaproduções que ditavam o comportamento jovem da época e traduziam a cultura popular do momento. Um contraponto interessante à comunicação da líder Coca-Cola que focava em um público mais abrangente.

Por Regina Augusto
Atualização:

Os tempos mudaram, vivemos em outro século e, especialmente, nos últimos dois anos, vivemos sob a égide da complexidade e da sociedade em rede onde controle e comando deram lugar a conceitos como empatia, poder nas pontas e construção de relevância a partir do diálogo. Nesse cenário, os protestos ganharam novos contornos, as redes sociais propulsionaram a criação de fenômenos como fake news e pós-verdade, um homem desequilibrado emocional e moralmente que prega o ódio ao diferente foi eleito ao cargo mais poderoso do planeta.

Essas novas nuances da realidade cultural, social e política do mundo em 2017 ficaram totalmente alheias ao comando global do marketing da Pepsi. Apostando nas mesmas superproduções que a consagraram nos anos 1980 e 1990, com um casting forçadamente multiétnico, a Pepsi de forma, no mínimo, ingênua - para não dizer alienada - lançou no início dessa semana um comercial de 2 minutos e 39 segundos.

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O vídeo, que a Pepsi planejava usar em uma campanha publicitária global, tenta reproduzir uma cena que entrou para a história. A de Ieshia Evans, mulher negra de 35 anos que permaneceu de pé em frente à tropa policial fortemente armada durante um dos protestos do movimento Black Lives Matter após o tiroteio fatal de Alton Sterling pela polícia, em 2016, em Baton Rouge, nos Estados Unidos.

Detalhe: a Pepsi escolheu para protagonizar sua peça a modelo e celebridade Kendall Jenner. No filme, a ilustre integrante do clã Kardashian se junta à multidão ao se aproximar da linha policial. O que poderia ser um impasse tenso no mundo real se destrói em elogios e sorrisos quando ela pega uma lata do refrigerante e a oferece ao oficial.

Como um rastilho de pólvora, a propaganda causou indignação de diversos grupos nas redes sociais, militantes e ativistas de direitos humanos, pessoas comuns e até da filha de Martin Luther King Jr., que viram na peça uma banalização de algo muito sério: os recentes protestos nas ruas dos Estados Unidos após a mortes de homens negros desarmados e adolescentes por parte de policiais. Um contexto que só tende a se agravar nesses tempos de Trump.

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Nesta quarta-feira 5, a Pepsi retirou o comercial do ar e soltou um comunicado no qual pede desculpas afirmando que sua intenção não era minimizar um assunto tão sério. " Obviamente, erramos o alvo e pedimos desculpas". "A Pepsi estava tentando projetar uma mensagem global de unidade, paz e compreensão", disse a empresa em comunicado. "Claramente nós perdemos o tom e pedimos desculpas", diz trecho da nota.

O italiano radicado no Brasil Walter Susini, hoje presidente da agência McGarryBowen e durante anos um dos homens forte do marketing da Coca-Cola globalmente, postou em sua página do Facebook que o caso demonstra claramente o desafio de ser culturalmente relevante hoje em dia. "A Coca-Cola sabe o que significa ser culturalmente relevante. Eles têm feito isso por mais de 100 anos. Sabem como é difícil e como é arriscado. O risco de ser arrogante, estar completamente fora dos trilhos, não ter empatia ou um olhar estúpido sobre as coisas sempre estão nos rondando. Relevância cultural é uma palavra usada e abusada no marketing hoje, mas é uma coisa muito difícil de se fazer. A Coca-Cola cometeu muitos erros, como todo mundo, mas nunca faria algo assim".

Se pensarmos que o segmento de refrigerantes está hoje seriamente ameaçado pelo mal que causa à saúde, o quadro é ainda pior para a Pepsi. Obesidade infantil também mata e as colas estão no topo da cadeia alimentar de inimigos da alimentação saudável. Portanto, usar refrigerante como símbolo de paz é de um mau gosto extremo e totalmente inadequado.

Construir diálogo e fazer parte do caldo cultural do momento é o Santo Graal da atualidade para as marcas. Faltou sensibilidade, humildade e conexão com as mudanças em curso. Um duro aprendizado à Pepsi e que serve de benchmarking às avessas para os gestores de marketing de um modo geral.

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