Redação
23 de maio de 2022 | 03h00
Até 2030, a lacuna de talentos digitais no Brasil deve chegar a 1 milhão de vagas não preenchidas
Por Marina Mansur e Paula Castilho*
Empresas que querem montar ou acelerar seus negócios digitais precisam estar prontas para enfrentar um dos maiores gargalos do mercado: talento. Este obstáculo tem duas grandes origens: uma demanda acelerada e uma oferta que não caminha na mesma velocidade.
Digitalização virou uma questão de sobrevivência para novas empresas. Foto: Pexels
Do lado da demanda: o Brasil é um dos países mais conectados do mundo, com mais de 70% da população grudada na internet, navegando em média 10 horas por dia. Soma-se a isto um volume de investimento em inovação sem precedentes – só em 2021, investiu-se em venture capital quase o mesmo volume de todos os anos anteriores somados – e têm-se a fórmula perfeita para provocar a ebulição de novos negócios digitais. Era de se esperar, portanto, que a quantidade de postos de trabalho relacionados à tecnologia tenha acelerado de forma vertiginosa desde 2017, aumentando dez vezes mais do que a média de outros postos no mesmo período.
Mesmo com um cenário atual mais cauteloso – redução de PIB, aumento da SELIC, diminuição do fluxo de capital – o ritmo de crescimento das vagas em tecnologia não deve diminuir. Digitalização virou uma questão de sobrevivência para novas empresas e incumbentes. No ano passado, por exemplo, o Facebook anunciou seu plano de contratação de mais de dez mil talentos digitais para a construção do seu metaverso; a Amazon deve contratar mais 55 mil funcionários globalmente, muitos destes no Brasil. Esta demanda só aumenta. E a população também segue se digitalizando em ritmo acelerado. Até 2026, espera-se que 185 milhões de brasileiros estejam conectados nas mídias sociais; o e-commerce deve crescer 55%; e mais de metade da população deve estar usando um banco digital.
Do lado da oferta: para cada novo profissional formado em áreas relacionadas a tecnologia, o país forma mais de onze alunos de direito ou administração. Este desequilíbrio entre áreas de negócio e tecnologia é comum no mundo todo, mas no Brasil ele é substancialmente maior. Nos EUA e na Alemanha, por exemplo, essa proporção é de um para cinco. Se continuarmos neste ritmo de crescimento e de formação de talentos, teremos uma lacuna de 1 milhão de vagas de tecnologia não preenchidas no país até 2030. Globalmente, estima-se que até 3 milhões de vagas de cybersecurity não consigam ser preenchidas pelo simples fato desses talentos ainda não existirem.
Os profissionais mais em falta são: DevOps, infraestrutura de TI, automação e IA, designers de UX, cyber, cientistas e engenheiros de dados e desenvolvedores de cloud. Os poucos disponíveis são altamente disputados. Para acirrar mais a batalha por atração e retenção, o mundo de trabalho remoto globalizou a alocação de vagas, com empresas de fora entrando na briga para contratar os escassos talentos locais.
Líderes de empresas estão sentindo o calor deste desafio. De acordo com uma pesquisa que fizemos com 1.500 executivos em cargos de gestão, 87% declararam que sua empresa não está preparada para lidar com a lacuna de talentos digitais. Dos profissionais de RH, 61% considera que contratar e reter desenvolvedores será o maior desafio que enfrentarão no próximo ano.
Para entender os critérios de decisão deste grupo disputado, fizemos uma pesquisa com estudantes e profissionais de mercado, e o que encontramos foi o seguinte:
É importante frisar que o abismo entre oferta e demanda é tão grande, que além de gabaritar os quatro pontos acima, é preciso pensar em planos adicionais que ajudem a cobrir o buraco. Em uma pesquisa que fizemos com CIOs globais, 82% mencionaram que, além de investir em contratação, estão focando no upskilling e reskilling de funcionários existentes como plano de contingência.
Com plano A ou plano B, esta batalha por talentos digitais está só no começo. Tão importante quanto vencer na proposta de valor para o cliente é vencer na proposta de valor para o colaborador.
* Marina Mansur e Paula Castilho são sócias da McKinsey & Company no escritório de São Paulo.
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