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Pesquisa aplicada no dia a dia (FGV-EESP)

Opinião|Negociado sobre legislado

Nossa legislação trabalhista restringe bastante as possiblidades de trocas; contudo, em muitos casos elas podem ser benéficas para ambas as partes

Atualização:

André Portela*

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O governo federal lançou recentemente uma proposta de reforma trabalhista que prevê a possibilidade de negociação entre empregadores e trabalhadores de alguns direitos e obrigações das partes previstos pela nossa CLT. A negociação se daria ao nível dos contratos coletivos de trabalho e, entre outras coisas, prevê as possibilidades de (i) parcelamento em até três vezes das férias; (ii) flexibilização da jornada de trabalho com limite máximo de 12 horas diárias; (iii) negociação do intervalo entre jornadas; (iv) definição das regras para participação nos lucros e resultados e para pagamentos por produtividade; (v) negociação de bancos de horas; e (vi) negociação da extensão do contrato coletivo depois do vencimento do prazo.

( Foto: Joedson Alves/Estadão)

A proposta ataca uma das características marcantes de nossa regulação trabalhista que é a micro-rigidez dos direitos trabalhistas. A CLT estipula remunerações e benefícios do trabalhador em dimensões monetárias e não-monetárias, diferidas ou não no tempo. Por exemplo, FGTS e adicional de férias são benefícios monetários. As férias e intervalo entre jornadas são benefícios não-monetários. A legislação trabalhista elenca uma série de benefícios que são obrigações do empregador e alguns outros que devem ser acertados em negociação coletiva.

A quantidade desses benefícios adicionados aos encargos trabalhistas e impostos sobre folha salarial são tais que calcular o custo de um trabalhador para uma firma é algo não trivial. Mas o fato é que o custo de um trabalhador é muito maior do que o valor do salário assinado em carteira de trabalho. Por exemplo, calculamos para um conjunto de empresas do setor têxtil que o custo de contratar uma trabalhadora adicional por um ano é 180% maior que o valor assinado em carteira.

Muito mais complexo, todavia, é saber qual é o valor da remuneração total da trabalhadora. Isso porque dependerá de quanto ela valora esses benefícios. Por exemplo, quanto uma trabalhadora estaria disposta a receber de aumento de salário para abrir mão de seu FGTS? Ou quanto estaria disposta a trocar meia hora de descanso para almoço por mais salário ou por sair mais cedo do trabalho? Utilizando hipóteses mais e menos conservadoras, julgamos que a remuneração da trabalhadora do setor têxtil seria algo cerca de 50% a 80% do custo do trabalho.

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A nossa legislação e jurisprudência trabalhista restringe bastante essas possiblidades de trocas. Contudo, em muitos casos elas podem ser benéficas para ambas as partes. De um lado, a trabalhadora poderia preferir trocar uma dimensão de direito por outra e de outro lado a firma poderia ter reduções de gasto ou economias de escala. Ao proibir essas trocas, a legislação evita em muitos casos situações de ganhos mútuos.

O curioso é que formalmente esses benefícios são chamados de direitos dos trabalhadores, mas são direitos os quais os trabalhadores não têm a propriedade deles. Eles não têm o direito de negociá-los por outros benefícios que julguem mais relevantes para as suas necessidades e conveniências. A proposta da reforma trabalhista permite explorar esses ganhos mútuos de troca entre as partes em ao menos nas dimensões previstas em lei.

Uma outra vantagem da proposta de permitir essas negociações é que com a lei se elimina uma fonte incerteza jurídica para as partes envolvidas. Em muitos casos, o que foi acertado em negociação coletiva é desfeito pela justiça do trabalho por interpretar que muitas dessas trocas não são permitidas em lei. Pois bem, temos agora a oportunidade definirmos em lei o que pode ou não pode ser negociado.

Por fim, a proposta pode permitir uma melhor adaptação das firmas e dos trabalhadores de diferentes setores aos movimentos dos seus ciclos econômicos ao permitir negociações nas margens de horas trabalhadas e benefícios monetários. Temos aqui uma oportunidade de adaptarmos o nosso marco legal às novas exigências do mercado de trabalho contemporâneo.

*Professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas

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