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Opinião|PEC da Reforma propõe fim do Benefício de Prestação Continuada de um Salário Mínimo

Proposta reduz drasticamente benefício para idosos em situação de miserabilidade

Atualização:
 Foto: Estadão

Convidamos o Professor de Direito Constitucional, Felipe Penteado Balera para abordar alguns fundamentos jurídicos sobre a Reforma da Previdência. Confira o artigo de autoria dele:

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O Congresso Nacional discute a Proposta de Emenda Constitucional n°. 06 de 2019 (a PEC 6/2019), apresentada pelo atual governo.

São muitas as alterações, algumas muito polêmicas, outras mais sensatas.

A medida mais drástica e mais nociva, no entanto, é a proposta de alteração no chamado Benefício de Prestação Continuada, o popular BPC ou LOAS (pois, foi regulamentado pela Lei Orgânica de Assistência Social - a LOAS).

Esperamos não só a rejeição da proposta pelo Congresso Nacional, mas que nunca mais toquem neste assunto tão delicado com a irresponsável frieza e indiferença com que a proposta trata o idoso em situação de miserabilidade.

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Primeiramente, convém notar que a alteração pretendida no Benefício de Prestação Continuada, não é, propriamente, mudança de regra previdenciária. O BPC, como se sabe, é benefício assistencial. Desta forma, a pretensa alteração constitucional foi indevidamente inserida no contexto da reforma da previdência pela PEC 06/2019.

Na regra atual, à pessoa com deficiência ou ao idoso (quanto ao idoso leia-se a pessoa com mais de 65 anos) que comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção nem tê-la provida por sua família, é garantida a renda mensal de um salário mínimo.

Quem não tem condições de prover a própria manutenção? Atualmente, especialmente após 2013, quando o STF julgou o RE 580.963, a condição de miserabilidade é averiguada por estudo social feito por assistente social. O assistente social vai até a casa do idoso ou pessoa com deficiência, confere a qualidade dos bens que ela possui, averigua a renda mensal das pessoas que moram com ela, as despesas necessárias para manutenção de sua vida, e emite parecer respondendo se ela se encaixa ou não na condição de miserabilidade.

Antes, a Lei Orgânica de Assistência Social definia que poderia receber o benefício o idoso ou a pessoa com deficiência que vivesse em família com renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo. Isso ainda está na Lei. Mas, tal critério, no entanto, foi considerado defasado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963, não podendo, portanto, ser adotado.

Todavia, a PEC 06/2019 quer reimplementar o mesmo critério e ainda inserir patrimônio familiar mínimo, que a princípio seria de R$ 98.000,00.

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E aqui vai a primeira crítica.

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O referido critério, além de estar defasado como afirmou o Supremo, pois uma série de outros benefícios sociais exigem menos miserabilidade, como é caso do bolsa família, é muito rigoroso. Vejam. Com o salário mínimo em R$ 998,00, ¼ equivale a R$ 249,50. A pessoa teria que ter menos de R$ 249,50 por mês para poder receber o benefício. Tal valor equivale a, aproximadamente, R$ 8,32 por dia. Quem tem só isso por dia para sobreviver, definitivamente não consegue se manter, pois tão somente os gastos alimentares para uma refeição diária são maiores do que isso. Mas quem ganha mais do que esse rigorosíssimo critério também não consegue. Com pouco mais de R$ 30,00 por dia, que é o que tem para gastar quem ganha 1 salário mínimo já é muito difícil, quase impossível, sobreviver. Com ¼ do salário mínimo, então, nem se cogita. E olha que estamos falando de idosos e pessoas com deficiência, que precisam de uma série de cuidados especiais com a saúde e a acessibilidade.

Além disso, se a pessoa for tão miserável a ponto de ter menos de ¼ do mínimo, o patrimônio da sua família não pode superar R$ 98.000,00. Se a família da pessoa de renda baixíssima tiver um imóvel, que não seja da faixa mais básica do programa minha casa minha vida, já ultrapassa esse patrimônio.

Trata-se de critério, portanto, rigorosíssimo, que exclui diversas pessoas que dependeriam do benefício para sobreviver. Só aqueles que forem muito miseráveis fariam jus ao benefício de prestação continuada. Muitos idosos e pessoas com deficiência, que passam extrema necessidade, ficariam excluídas da assistência social.

Pior que isso vai ser o valor do benefício.

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Para quem não tem quase nada, o governo quer assegurar o benefício de quase nada, e ainda chama isso de transferência de renda para a pessoa idosa, como está na PEC 06/2019.

Hoje o benefício corresponde a R$ 998,00, um salário mínimo. Com a reforma, o benefício do idoso extremamente miserável, com idade entre 60 e 70 anos, cai para R$ 400,00 reais por mês.

Se, por algum milagre, ele conseguir sobreviver até os 70 anos - hipótese bastante improvável, diante de tamanho descaso do Estado -, só assim o idoso ou a idosa terá direito a um salário mínimo.

Acontece que a expectativa de vida do brasileiro é de cerca de 76 anos. Esta média inclui os muito ricos, os ricos, a classe média, os pobres e os muito pobres. Enquanto uma pessoa rica pode, facilmente, chegar aos 90 anos de idade. Em uma família pobre, em que cada um tem menos de R$ 10,00 reais por dia para se alimentar, se vestir, se entreter e ainda ter que cuidar da sua saúde, a idade de 70 anos parece inalcançável.

A desigualdade social no Brasil é tão grave que em uma mesma cidade pessoas que vivem em distritos distintos podem ter uma inaceitável diferença de expectativa de vida de 24 anos. Aqui em São Paulo, enquanto quem vive no Jardim Paulista ou em Moema morre em média aos 79 anos, a população do Jardim Ângela vive só até os 55 anos de idade, conforme estudo de 2017 desenvolvido pela Rede Nossa São Paulo.

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Os muito pobres morrem muito mais cedo e se já é difícil alcançar 65 anos de idade para receber o BPC no valor de um salário mínimo, 70 anos, só com a intercessão divina.

A renda de R$ 400,00 vai ser, portanto, o valor do BPC, o que inadmissível.

Além de inadmissível, a alteração, ainda que por Emenda Constitucional, é inconstitucional.

Os objetivos da República Federativa do Brasil foram traçados no artigo 3º da Constituição.

Dispõe o artigo 3º da Constituição Federal:

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Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

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É, portanto, objetivo da República erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais. Assim, não é justo que simples fato de ter uma pessoa nascido em uma família de condição social favorável, defina o seu destino final e até qual idade viverá.

O benefício assistencial tem como finalidade propiciar o mínimo para que uma pessoa, já com idade avançada ou deficiente, consiga sobreviver com dignidade. Faz parte, portanto, do mínimo existencial. Reduzi-lo a menos da metade do salário mínimo, que parte de pressuposto semelhante, garantir um mínimo de subsistência ao trabalhador, afronta o mínimo existencial e desconfigura o BPC.

Sendo o BPC direito fundamental social, trata-se de cláusula pétrea. Isto é, trata-se de norma constitucional que não pode ser reduzida nem por Emenda Constitucional, na forma do artigo 60, §4º, IV, da Constituição. Consequentemente, qualquer proposta, como esta que tende a abolir o BPC, é inconstitucional.

Sem contar que estaríamos diante de gravíssimo retrocesso social, o que também é vedado.

Já que se pretende alterar o Benefício de Prestação Continuada, que a alteração seja feita para de fato para reduzir as desigualdades sociais. Tendo em vista a baixíssima expectativa de vida de quem vive marginalizado, a redução da idade mínima para recebimento do benefício de 65 para 60 anos é oportuníssima, mas o valor deve ser sempre o suficiente para assegurar o mínimo existencial, que se mantenha em um salário mínimo.

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E nem me venham com o argumento de que a previdência social é deficitária e é preciso reformar para reduzir o déficit. Primeiro, recordo que estamos falando do BPC, que não é benefício previdenciário, é benefício assistencial, logo, não entra, ou não deveria entrar, na conta do déficit da previdência. Em segundo, se a própria proposta fala em transferência de renda, de algum lugar o recurso para pagamento tem que sair. Trata-se, portanto, de realocação de recurso, que talvez esteja sendo mal empregado ou não tem chegado aos cofres públicos em razão de abusivas desonerações fiscais, para implementação de direito que atende objetivo fundamental da República, que é a redução da desigualdade social e erradicação da pobreza e marginalização.

A PEC 6/2019 vai mal na alteração do BPC, mas se tocou no assunto, o Congresso Nacional terá a ótima oportunidade de alterar a proposta e promover benefício que cumpra com os objetivos da República.

Vamos torcer!!

 

 

 

Opinião por Marta Gueller
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