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Opinião|Demissão 'humanizada' precisa ir além do discurso para ajudar funcionário

Para ajudar demitidos e cuidar da própria imagem, empresas estendem plano de saúde, dão ajuda financeira e cedem equipamentos, além de fazer rede de indicações para minimizar danos a ex-funcionários

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Atualização:

Era para ser mais um dia normal de trabalho. Marcos (nome fictício) acordou, tomou seu café e se preparou para reunião com a equipe. Recebeu um pedido de sua chefe para que entrasse no link enviado. Era um comunicado sobre a demissão de 1.300 colaboradores. Ao acessar seu e-mail corporativo, viu que fazia parte desse grupo.

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O funcionário, que preferiu não ser identificado para não sofrer retaliações, havia largado o último emprego para ser contratado pela fintech Stone em abril. Parte do seu trabalho era ajudar no recrutamento de outras pessoas. "Eu perguntava para minhas chefes se a empresa era financeiramente saudável para aguentar as contratações. O que era dito era que demissões não eram uma possibilidade, que seriam a última opção." Menos de dois meses depois, Marcos foi demitido.

Para minimizar os danos (incluindo emocionais) aos 1.300 demitidos (20% da equipe), a empresa publicou em seu perfil no Linkedin os benefícios aos ex-funcionários, como plano de saúde por quatro meses, apoio financeiro proporcional ao tempo em que estiveram na empresa, vale-alimentação por três meses, doação de equipamentos como computadores e celulares corporativos, carta de recomendação, conta LinkedIn Premium e parcerias com empresas que estavam contratando, como OLX e Loft.

O pacote de benefícios faz parte do que o mercado tem chamado de demissão humanizada, uma expressão que ganha relevância com a alta de demissões e a taxa de desemprego (que chegou a 12,9% segundo o IBGE) durante a pandemia do novo coronavírus. Do lado das empresas, a ajuda aos demitidos também é uma forma de manter a reputação da corporação, já que ela não tem obrigação de dar esse tipo de suporte.

Juliana Amarante, advogada trabalhista do escritório Souza, Mello e Torres, explica que, legalmente, aqueles que foram contratados durante a pandemia e desligados no mesmo período não têm direito a benefícios extras. "O desligamento humanizado não é obrigatório legalmente, mas tem um impacto social importante", conta. "Além disso, quando as empresas fazem demissão humanizada, o empregado pensa duas vezes antes de ajuizar uma demanda trabalhista."

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Segundo a Stone, a empresa vinha numa crescente e tinha processos seletivos em andamento por volta de abril. "No entanto, ficou claro que o futuro seria bem mais incerto, sem clareza da retomada, e assim tomamos a decisão de suspender a maior parte das contratações", diz, em nota.

Lucas Melo, ex-funcionário da MaxMilhas, que foi admitido pela Hotmart. Foto: Acervo Pessoal

Como base do conceito de demissão humanizada, o tratamento empático é essencial, em que o contratante coloca-se no lugar do colaborador. Além da forma de tratamento e dos benefícios monetizáveis, indicações em redes sociais e criação de banco de talentos também integram a lista nesse tipo de demissão.

Para Celson Hupfer, psicólogo e doutor em psicologia social, a pandemia é causadora de um grande medo e, quando associada a outra questão (como a demissão), o processo fica mais doloroso, tanto para quem demite quanto para quem é demitido. "A demissão tem uma série de complicadores, porque o trabalho não tem só uma função econômica, mas também faz parte da realização de um grupo."

No caso da MaxMilhas, que atua no setor de passagens aéreas e precisou reduzir 42% da sua equipe, a queda brusca no setor de viagens foi emocionalmente compartilhada entre funcionários e dirigentes. "Nós não sentíamos que surgiria uma demissão, mas eles eram muito transparentes. Estávamos sempre cientes do que estava acontecendo, chegamos a 9 mil cancelamentos por dia", conta Lucas Melo, ex-colaborador, segundo quem em abril o líder da empresa começou a chorar na frente de todos ao explicar o cenário de cortes.

Luiza Rubio, gerente de Gente & Gestão da MaxMilhas, conta que foi um momento inesperado. "Nós estávamos crescendo. E quando tudo aconteceu, nossa preocupação foi como acompanhar e ajudar nesse momento que é tão difícil."

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Para os funcionários desligados, a MaxMilhas deu suporte para recolocação no mercado, plano de saúde e ajuda de custo para algumas pessoas do time. Além disso, criaram uma lista dos talentos que saíram e fizeram um guia de ações com foco em reposicionamento.

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Lucas conta que, 24 dias após sua demissão, foi contratado na Hotmart. "Nunca vi uma corrente tão bonita. CEOs me chamaram oferecendo cursos, pessoas que trabalharam no RH e estavam em outra empresa também me indicaram."

Anúncio de demissão via CEO

Empresas globais como Linkedin e Airbnb optaram por anunciar suas demissões por meio do pronunciamento de seus respectivos CEOs. O Linkedin afirma que, além do suporte financeiro, que varia de acordo com as práticas específicas de cada país onde tem escritório, continuaria dando suporte nos âmbitos de: saúde (6 meses de assistência médica); transição de carreira (programa de 6 meses) e apoio tecnológico (os funcionários puderam ficar com celulares e laptops da empresa).

O Airbnb tomou medidas similares, onde todos os empregados desligados têm direito a pelo menos 14 semanas de pagamento; seguro saúde até o final de 2020; suporte na recolocação e também poderiam continuar com seus computadores. Contatadas pela reportagem, tanto Airbnb quanto Linkedin não quiseram se pronunciar.

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Outra empresa que adotou pacote de medidas para dar um suporte mais humanizado para seus ex-colaboradores foi a Uber. Salário adicional, convênio médico estendido, doação de equipamentos, criação de banco de talentos, consultoria para recolocação e uma espécie de "apadrinhamento" para a indicação de vagas foram as principais ações da empresa.

Natália Antonio, que fazia parte do time da Uber e foi contratada pela Amazon. Foto: Acervo Pessoal

Diana Medeiros, ex-funcionária da Uber, diz que a demissão não foi uma surpresa. "Eu estava em uma posição que me dava a possibilidade de acompanhar de perto todos os impactos que estavam acontecendo. É uma situação muito incomum e, para cuidar da saúde do negócio, ações do tipo são necessárias."

Diana fala que o suporte da empresa após a demissão, em maio, deu tranquilidade para escolher os próximos passos e conseguir recolocação na empresa Liv Up. "Estou há um mês na nova empresa, que tem uma cultura alinhada aos meus projetos pessoais, e isso foi possível devido ao apoio que a Uber me ofereceu."

Natália Antonio, que também foi demitida da Uber, partilha do mesmo sentimento de Diana. "Por mais que tenha sido difícil, esse pacote ajudou para que o processo fosse mais tranquilo", diz ela, que destaca a importância de ter ficado com equipamentos de trabalho para as entrevistas que fez até ser realocada neste mês, na Amazon.

O psicólogo Celson Hupfer explica que a maior parte das empresas que conseguiram aplicar medidas como essas (que demandam custos) são aquelas que já possuem uma posição diferenciada tanto para o mercado quanto para dentro de sua cultura. "Essas empresas, normalmente, são mais desejadas a se trabalhar. São vistas de forma diferente não só no âmbito do trabalho, mas também no do consumo."

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Para a advogada Juliana Amarante, os frutos são colhidos depois. "A imagem de proteção ao empregado é cada vez mais importante. Muitas pessoas estão indo trabalhar não só pelo salário, mas por benefícios, contexto moral e sensação de confiança e bem estar com a empresa."

* Estagiária sob a supervisão da editora de Carreiras & Empregos, Ana Paula Boni

Opinião por Anna Barbosa
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