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Opinião|'É preciso ter determinação e instinto'

Líder de consultoria da Fundação Getulio Vargas também ressalta a importância de admitir que não se sabe tudo

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 Foto: Estadão

Cesar Cunha Campos, principal executivo da FGV Projetos (Divulgação)

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CLAUDIO MARQUES

Com uma carreira construída na área da consultoria, onde entrou, em 1975, ainda no tempo da faculdade de engenharia, Cesar Cunha Campos é desde o ano passado o principal executivo da FGV Projetos, liderando uma equipe de 440 especialistas de diversas áreas, como economia, finanças, administração e políticas públicas. Ele deixou sua própria empresa para implementar métodos da iniciativa privada na Projetos, potencializando seu perfil acadêmico. De acordo com a Fundação Getulio Vargas, a Projetos é uma das maiores consultorias e desenvolvedoras de conteúdo para tomadas de decisão dos setores público e privado do Brasil, e tem feito um consistente movimento de internacionalização, por meio de acordos com entidades internacionais, e até trazendo profissionais de outros países para seus quadros. Campos se define como uma pessoa do diálogo e diz que é preciso ter a humildade de entender que não se sabe tudo. É mestre em administração pela London Business School e PhD em planejamento de transporte pela Techinische Universität, de Viena. A seguir, trechos da conversa.

O que o levou a deixar sua empresa e ir para a FGV Projetos? Desafios. Estava muito bem na minha empresa, e o presidente da Fundação Getulio Vargas queria dar um pouco mais de profissionalismo na assistência técnica, que é um pouco diferente da consultoria. A academia, às vezes, não está acostumada, e ele queria modernizar os procedimentos de controle, de qualidade, de entrega de prazos, ou seja, uma assistência técnica mais profissional.

Por que você foi escolhido? Nós tínhamos feito um trabalho em conjunto, e ele, o presidente, me convidou. No princípio, eu resisti um pouco, mas o desafio era grande: fazer a Projeto passar de uma estrutura mais acadêmica para uma mais profissional com viés acadêmico. Foi o que me fez vir e montar uma coisa bacana e que está tendo sucesso. Hoje, é mais fácil falar, no início era um desafio, mas no fundo era uma questão importante para mim, para minha carreira. A Fundação tem um papel relevante na aplicação de políticas públicas nos níveis federal, estadual e municipal, e é uma realização estar construindo uma coisa que vai ser boa para o País.

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O que mudou? Eu não vim montar a área de assistência técnica, mas vim dar um impulso, trazendo métodos do setor privado, de como controlar, de como fazer uma proposta, atender aos requisitos que seu cliente, seja privado ou ente público, espera de uma atividade de assistência técnica no nível que a fundação pode oferecer.

Por que você usa a expressão 'assistência técnica'? Há uma pequena diferença entre consultoria e assistência técnica. Hoje, 60%, 70% dos nossos trabalhos são para governos. Na consultoria, procuramos passar um projeto de maneira mais estanque, aqui na fundação não. Temos a oportunidade de conversar com o cliente e entender que o contratante do setor público não é a mesma coisa que o do setor privado, você vê que existe Tribunal de Contas, Ministério Público, Controladoria Geral da União, Controladoria do Estado, que isso tudo faz parte do cliente. Então, quando estou prestando uma assistência técnica, eu envolvo todas essas questões e tento resolver, de um modo mais amplo, as questões que podem afetá-lo. Quando você está numa consultoria não, você segue aquele termo de referência, entrega um documento e vai para a frente.

Para você, que já tinha experiência na área, foi diferente? Imagino que consultoria também preste serviço a entes públicos. Sim, mas menos. Como a Fundação tem um conjunto de profissionais muito grande, acho que são mais de duas mil pessoas com mestrado e doutorado, há a possibilidade de utilizar esse potencial acadêmico, e numa consultoria há menos recursos. Aqui, uma parte dos salários já são pagos pela atividade acadêmica, então há possibilidade de oferecer mais ao cliente - essa é a ideia e o desafio da novidade. A Fundação, de alguma forma, consegue trazer a novidade, fazer trabalhos que envolvem várias atividades e trazem alguma inovação. Acho que isso faz parte de nossa cultura, e isso é o que faz um diferencial muito grande.

Enfrentou resistência na FGV? Enfrentei, enfrento e vou enfrentar, porque a resistência a mudança é de todos nós. Eu venho de uma reunião interna aqui mostrando que temos de melhorar nossos processos internos, e há a argumentação de que está tudo funcionando, e eu digo que quero funcionar melhor, e aí sempre há algum questionamento. A resistência é e será grande porque é mais fácil fazer o mesmo. Mas a consultoria não tem como ficar parada. Hoje, pega-se um projeto que envolve 30 pessoas, amanhã um de cinco, depois um de 35, nós temos de ter flexibilidade. Outra coisa desafiadora na nossa indústria é que você tem de estar pronto na hora e a tempo em que a oportunidade aparece. É uma tarefa difícil. Você está quieto e de repente ligam, e você vai ter a oportunidade de fazer um trabalho no Nordeste, ou na África ou em São Paulo, e tem de mobilizar a equipe, tem de pensar numa proposta e criar as condições para oferecer uma solução completa. Isso envolve as pessoas que estão acomodadas e as que não estão. Eu acho que é absolutamente normal, como já tive em outros lugares.

Como você enfrenta a situação? Eu sou do diálogo. Lógico que às vezes precisamos ser diretos, e às vezes até ríspido, mas do ponto de vista interno da unidade do projeto, eu tento montar uma situação de discussão. É uma coisa que demanda mais tempo do executivo, mas a solução vem mais rápido. Muitas vezes eu acho que temos de ir para um lado, e não é totalmente aquele lado que deveria ir, e eu mudo o percurso. Acho que tem de ser flexível. E numa atividade como a nossa, que não temos um patrão, temos 50, 200, que são os nossos clientes, você tem de se adaptar a essa realidade, e essa realidade é de enfrentamento. Eu me lembro no início da carreira, logo que cheguei da Inglaterra, que fui chamado para reestruturar uma empresa familiar de sucesso, mas que tinha uma série de problemas. Eu, na minha inocência da época, vi que o problema era o dono. Como se enfrenta isso? O meu contrato não foi renovado, e fomos para a frente... O que estou dizendo é o seguinte: primeiro, tem de ser honesto, e sendo, as pessoas entendem, podem até achar que você não está certo, mas ficam convencidas. Hoje, há 440 pessoas aqui, todas de nível alto, com doutorado, pós-doutorado. Tenho de convencê-las. Há as dificuldades de um processo, mas faz parte do jogo.

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Então, é preciso ter paciência e determinação? É, determinação, e tem de ter um instinto. É difícil até falar isso, mas tem de ter uma direção, tem de pensar rápido e agir rápido. Eu vejo assim: se vai criar uma crise, já a mata pela raiz e já resolve a questão. Outra coisa é não ser resistente à crítica. Acho que o talento que temos de ter é, quando há uma crítica, avaliá-la e, se constatar que ela tem algum fundamento, poder reverter um quadro, enfrentar, melhorar. E não é demagogia, não.

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Há algum outro grande aprendizado obtido ao longo da carreira que você pode citar? Sim, sim. O que eu digo é o seguinte: quem dá consultoria, quem dá assistência técnica tem de ter a humildade de admitir que não sabe tudo, e entender o que é o possível. Acho que isso é a grande chave da profissão que nós temos, que é uma profissão difícil. Não é fácil, porque, no fundo, você acha que está com a razão, e quem está com a razão é quem assina, que está com a responsabilidade de levar aquela empresa.

O que é preciso para alguém trabalhar nessa área? É uma atividade na qual as pessoas têm de querer estudar. Eu não consigo ver uma pessoa que fez a faculdade, fez mestrado, doutorado e aí ela vai trabalhar em consultoria sem ter de se reciclar, seja lendo, indo à internet, como quiser, com livros, seminários. Ela tem de estar muito up to date, porque a atividade dela é ter conhecimento para vender esse conhecimento a alguém. Esse é o nosso papel.

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