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Opinião|Gestor de diversidade precisa ter pé na Faria Lima e outro nas franjas da cidade

Para se tornar líder de diversidade, é preciso conhecimento de temas como feminismo negro e teoria queer, além de ter habilidades como empatia, mas não podem faltar planejamento estratégico e gestão empresarial

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Atualização:

Estamos diante de um fenômeno interessante no mundo do trabalho: o surgimento de uma nova profissão. Nos últimos anos, cresceu a procura por especialistas em diversidade e inclusão. É algo relativamente novo, mas que vem ganhando velocidade rapidamente.

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De acordo com dados do LinkedIn, em 2020, cresceu em 51% a procura por gestores de diversidade, na comparação com o ano anterior. Reportagem do Wall Street Journal de julho passado constatava a mesma informação. A demanda por CDOs (chief diversity officers), as lideranças sêniores de diversidade, nunca foi tão alta, assim como sua rotatividade - poucos param na cadeira por muito tempo, dadas as imensas dificuldades do cargo.

A discussão sobre inclusão nas empresas não é nova. Ela remonta aos anos 1970, quando grandes organizações norte-americanas procuraram dar respostas às manifestações da parcela da sociedade que se empenhava nos movimentos pelos direitos civis, adotando políticas antidiscriminação e treinamentos sobre o tema.

De lá pra cá, o assunto avançou e encontrou em 2020 um ponto de inflexão: a desigualdade escancarada pela pandemia, o assassinato de George Floyd e o crescimento das discussões sobre ESG estão por trás da maior procura por profissionais de diversidade.

No Brasil, ainda não existem dados concretos sobre esta profissão emergente, mas quem circula pelo mercado sabe que o número é crescente. São dezenas as empresas que contam com analistas, coordenadores e gerentes de diversidade e inclusão. Grandes bancos, como Itaú e Santander, têm superintendentes dedicados ao assunto.

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Profissionais de diversidade em geral advogam por uma causa que também é sua, como mulheres, negros, PCD e LGBTIs, mas é preciso ir além na visão empresarial e na articulação de negócios. Foto: Surface/Unsplash

Fora daqui, sobretudo nos EUA, a posição já está institucionalizada. Das 500 maiores empresas norte-americanas, metade conta com um CDO, muitas vezes com reporte direto à presidência.

O mercado está aquecido e é grande o número de pessoas que se atrai pela profissão, vista como uma possibilidade de aliar trabalho a propósito. De fato, entre as dezenas de profissionais de diversidade que conheço, quase a totalidade advoga por uma causa que é também sua. Mulheres, pessoas negras, LGBTIs e com deficiência são maioria absoluta nesta área.

Mas o que torna alguém um bom profissional de diversidade? Certamente não há resposta pronta, mas, como alguém que acompanha este assunto há algum tempo, arrisco dizer que existe um tripé essencial ao bom desempenho das atividades. É preciso:

  • visão crítica do assunto
  • conhecimento de gestão
  • capacidade de articulação

As demandas que envolvem diversidade são amplas, complexas e acompanham as tendências e desafios da sociedade. Por isso, é essencial que pessoas candidatas a este trabalho tenham letramento adequado para o assunto. Refiro-me aqui à importância de se dedicar a temas tão amplos como o feminismo negro, a teoria queer, os estudos decoloniais, entre outras abordagens que ajudam a desenvolver um olhar analítico sobre a questão da inclusão.

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Esta visão conceitual, que se não apareceu na formação universitária, pode ser buscada em leituras e grupos de estudos. É importante, mas não basta para preparar um profissional de diversidade. Se fosse assim, acadêmicos e ativistas seriam automaticamente designados para a função. É preciso também conhecimento de gestão empresarial. Isso porque o dia a dia vai demandar noções de cultura organizacional, planejamento estratégico, acompanhamento de métricas e habilidade de liderança.

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Tudo isso é importante, mas também não para em pé se faltar capacidade de articulação. O profissional de diversidade precisa circular entre diferentes grupos e desenvolver habilidades como resiliência, negociação e empatia. É ter um pé na Faria Lima, sim, mas outro nos lugares onde o País acontece de verdade. Sem isso, a atuação fica comprometida.

Gosto da imagem que o professor Pedro Jaime, da FEI, traz para ilustrar este ponto. Segundo ele, nós, profissionais de diversidade, somos tradutores, a quem compete estimular a criação de pontes entre empresas, movimentos sociais, universidades, entre outros stakeholders.

Para traduzir bem, é preciso mais que domínio de diferentes idiomas. Também é necessário ter sensibilidade, humildade e disposição para escutar. Que sejamos bem-sucedidos nesta empreitada, que, como diz o consultor Reinaldo Bulgarelli, é sempre um exercício kamikaze.

O profissional de diversidade trabalhar dia a dia como foco na sua própria extinção, o momento em que um trabalho como o nosso, de tão naturalizada a inclusão estará, já nem faça mais sentido.

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* Ricardo Sales é sócio-fundador da consultoria Mais Diversidade, mestre pela Universidade de São Paulo e professor na Fundação Dom Cabral (ricardo@maisdiversidade.com.br).

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Opinião por Ricardo Sales
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