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Opinião|Globalização não é nova nem precisa ser perversa; ela ajuda no exercício de cidadania

Questões ambientais, de saúde e educação não reconhecem fronteiras entre os países, e valores universais compartilhados entre os indivíduos afirmam-se com legitimidade na agenda internacional

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Atualização:

"A inteligência é a capacidade de se adaptar à mudança" - Stephen Hawking

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O recente encontro da COP 26 - a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática - deixou mais claro do que nunca que o mundo é global. Nem todos os países geram grandes problemas no que tange à emissão de carbono na atmosfera, por exemplo, mas todos terão que participar dramaticamente das soluções requeridas para conter o aquecimento global

Lembremo-nos, o tema globalização não é nada novo. Desde muitos séculos a Europa é governada por cortes globalizadas. Historicamente, as grandes viagens realizadas por Portugal e Espanha, do século 15 ao 18, juntaram os continentes, provocando um salto na globalização. Esta continuou nos séculos seguintes, com a hegemonia da Inglaterra e dos Estados Unidos. E, certamente, seu impacto cresceu exponencialmente, na esteira da revolução tecnológica, em especial, das comunicações, da informação e da computação. 

No cenário corporativo surgem novas formas de as organizações operarem em um ambiente global, muito além da empresa doméstica. Pode ser exportadora, internacional, multinacional ou global. No final do século 20, iniciaram-se os processos de transnacionalização, ou seja, processos pelos quais organizações ultrapassam as fronteiras nacionais, englobando mais do que um país. Surge assim a corporação transnacional. Bartlett e Ghoshal (1989) sugeriram que esta combina a eficiência da estrutura global, a capacidade de resposta local da corporação multinacional e as capacidades de transferência de tecnologia das empresas internacionais. Ótimo, mas tudo ficou bem mais complexo.

Ao contrário do que muitos imaginam, é sabido que a globalização não abrange apenas os aspectos econômicos. Para o bem ou para o mal, manifesta-se, e sempre se manifestou, nos mais diversos campos da sociedade: cultural, geográfico, educacional, político, jurídico e direitos humanos e saúde. Este último ficou evidente com a pandemia do novo coronavírus. Henrique Rattner, em artigo de 1995, escreveu: "O processo de globalização, embora conduzido pela economia, deve ser apreendido, também, em suas dimensões políticas, histórico-culturais e espaciais-ecológicas".

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Queimada na Amazônia, em 2019. Foto: Gabriela Biló/Estadão

Como em tudo, há aspectos positivos e negativos. Dentre os aspectos negativos muitos autores destacam o desemprego, a imposição de valores, a destruição de tradições locais, a ruptura de identidades, muitas vezes, com consequências negativas para integridade social e bem estar de certos grupos. A adoção de valores morais em linha com a ideologia dominante tem seus lados bons, mas também ruins.

Dentre os aspectos positivos, são notórios os avanços tecnológicos, trazendo, por exemplo, um aumento na expectativa de vida, mesmo nas sociedades mais atrasadas. Some-se a isso, maior grau de exigência em relação à qualificação das pessoas e à qualidade de produtos e serviços. Também é notável a geração e a disseminação de conhecimentos. A recente pandemia do coronavírus foi fruto da globalização. Mas as vacinas e os cuidados médicos que chegaram céleres a toda população mundial também o foram.

O século 20 trouxe grandes avanços à governança global. Não por acaso com a globalização dos conflitos foram criadas tantas organizações internacionais como a Liga das Nações (sucedida pela ONU), o Banco Mundial, o FMI e a União Europeia. Justamente porque não há um "governo global", os diferentes Estados precisam negociar suas diferenças e se organizar para enfrentar os problemas do mundo.

De fato, os Estados não têm interesse em abdicar de sua soberania em favor de um governo mundial. E tampouco têm interesse em se digladiar. Assim, procuram regras comuns que atendam aos interesses coletivos para alcançar uma convivência pacífica. Jessica Mathews e Zygmunt Bauman evidenciam as principais maneiras pelas quais a globalização pode enfraquecer o Estado moderno. Os problemas globais não podem ser resolvidos por nenhum Estado sozinho. Isto diminui a liberdade para o Estado regular a economia, mesmo dentro de seu próprio território. 

É notável como os movimentos sociais tornaram-se globais. O mundo inteiro revoltou-se com a morte de George Floyd, em maio de 2020, reacendendo o Black Lives Matter, um movimento ativista internacional que trabalha contra a violência direcionada às pessoas negras. Após esse episódio, houve um aumento significativo na contratação de negros aqui no Brasil. O movimento Me Too, contra o assédio e a agressão sexual, é outro de alcance global, com impacto positivo em diversas localidades do planeta.

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Nas últimas décadas, aumentou muito o número de organizações não governamentais (ONGs) internacionais. Para se ter uma ideia, em 1909 havia 176 ONGs internacionais; em 1990 o número saltou para 5.500. Cerca de 15 mil ONGs atuam na Amazônia. Sua contribuição pode ser superlativa. Talvez algumas tenham desempenho discutível. Mas não parece coincidência tal quantidade, visto que os últimos dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) apontaram que o Brasil registrou o maior índice de desmatamento dos últimos 15 anos na Amazônia Legal.

Dentre as 10 principais ONGs do mundo, quatro atuam em saúde, duas em sustentabilidade e meio ambiente, três em crises humanitárias/ pobreza/ fome e uma em qualidade de vida. E por que as ONGs se revelam tão importantes? Simplesmente, porque os problemas que elas enfrentam não reconhecem fronteiras entre os países.

Pela primeira vez na história, valores universais compartilhados afirmam-se com legitimidade na agenda internacional. A título de exemplo: os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) reforçam os valores da igualdade de gênero, da educação, da sustentabilidade, da paz, da justiça, da democracia, da colaboração e parcerias, dentre outros.

Como mostra o livro de Eric Weiner Onde Nascem os Gênios (2016), estas pessoas vieram ao mundo para inovar e mudar tudo. Examinando suas origens geográficas, observa-se que gênios não brotam ao acaso, em qualquer lugar. Algumas cidades produzem muitos. A maioria, quase nada. O que haverá em comum nas cidades que produziram uma quantidade desproporcional de gênios? De Atenas, na Grécia antiga, ao Vale do Silício dos dias de hoje, o autor tenta compreender a conexão entre o ambiente e o surgimento dos grandes gênios que transformaram o mundo e abriram novos caminhos e possibilidades. O autor examina seis localidades, pródigas em pessoas que ultrapassaram um umbral de realizações e reconhecimento: Atenas, Hangzou, Florença, Edimburgo, Viena e o Vale do Silício.

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A generosa abertura para o resto do mundo era comum entre todas elas. Em Atenas, moravam muitos estrangeiros, trazendo novas ideias. O mesmo em todas as outras. O livro termina com as cidades do Vale do Silício, para onde acorre gente inteligente e curiosa do mundo inteiro. Como comenta o autor, a criatividade germina onde circulam muitas ideias e onde há diversidade e faltam certezas. Questionamentos, diálogos e trocas são cruciais! Curiosamente também são ambientes onde as coisas costumam ser um pouco confusas ou até mesmo caóticas, exigindo grande capacidade de adaptação, havendo sempre problemas instigantes a serem resolvidos e desafios a serem superados.

Concluindo, a globalização nem é nova nem precisa ser perversa. Nem tampouco pode ser freada. Traz tanto efeitos benéficos quanto outros perniciosos. Cabe a todos nós atuarmos para coibir os excessos e internalizar valores modernos globais para o exercício da cidadania, sem perder nossa identidade local.

* Marisa Eboli é doutora em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP e especialista em educação corporativa. É professora de Graduação e do Mestrado Profissional na FIA Business School. Contato: meboli@usp.br

Opinião por Marisa Eboli
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