Wilson Monteiro*
07 de outubro de 2021 | 10h06
Atualmente, o Brasil não vive apenas uma crise de saúde, mas também uma crise existencial. Reconhecida pela OMS em 2017 como parte do País da América Latina com o maior número de casos de depressão, no último ano a sociedade brasileira sofreu com o afastamento das pessoas em razão do isolamento social, medida necessária para conter a pandemia, e com a polarização ao extremo dos polos políticos, que gerou debates acalorados e um desgaste contínuo nas relações interpessoais.
A situação financeira alarmante e um mercado de trabalho anêmico, que registrou uma taxa de desemprego recorde de 14,7% nos últimos meses, também são realidades que impactam profundamente a maneira de viver e a saúde mental da população. Nesse cenário, pessoas existencialmente inteligentes podem criar mecanismos que as ajudem a lidar de maneira mais eficiente com os desafios e as demandas do dia a dia.
A inteligência existencial é um polo do conhecimento ainda pouco difundido no Brasil, mas que é estudado pelas principais instituições de ensino do mundo. O professor Phd. Howard Gardner, da Universidade de Harvard, autor do modelo teórico científico das inteligências, por exemplo, a define como a “mãe de todas as inteligências”. Ela é o ponto de liga entre o racional e o emocional, a origem do autoconhecimento e, apesar de parecer subjetiva, pode ser desenvolvida como qualquer outro saber.
Sem a inteligência existencial, os conflitos internos, preocupações e medos se sobrepõem facilmente, até mesmo em pessoas emocionalmente inteligentes. Já aqueles que conseguem trabalhar essa essência fundamental podem formar algumas competências para, inclusive, equilibrar desvantagens temperamentais, como a necessidade de controle e reconhecimento, e diminuir o nível de neurose, ansiedade e quadros depressivos. São todos pontos que podem ser agregados de maneira positiva na vida pessoal e/ou profissional.
Equilibrar emoções e diminuir estresse colaboram para vida melhor no trabalho. Foto: Unsplash/@coltonsturgeon
A base central desse aprofundamento envolve o entendimento de que se pode progredir existencialmente como em um sistema de faixas, famoso nas artes marciais. Cada etapa possui um conjunto de técnicas e habilidades físicas a serem trabalhadas, até que se tornem naturais. Do conhecimento da inteligência existencial, também é possível partir para outro entendimento, o da dinâmica espiral.
O conceito dessa abordagem foi formado na década de 1970, com base nos trabalhos do psicólogo Clare Graves, e foi adotado por um dos maiores nomes na luta pelo fim do apartheid na África do Sul, Nelson Mandela. Figura icônica e referência histórica não só na luta pelos direitos de homens e mulheres negros, mas também na busca pela paz, Mandela utilizou a dinâmica espiral como base para reconstruir seu país ao lado do líder tribal zulu Mangosuthu Buthelezi e do presidente F.W. de Klerk.
Juntas, suas equipes redesenharam pacificamente os sistemas e as estruturas econômicas, políticas e educacionais. Os esforços deles foram fundamentais para evitar uma guerra civil no começo de uma nova era. Com base no contexto da sociedade, à época, é possível entender como eles guiaram suas ações e as aliaram às bases da dinâmica espiral:
Pensar em construir uma comunidade nova, que se baseou por muito tempo em questões de raça, classe, gênero, religião e identidade, e que, realisticamente, continuaria sendo afetada por essas mesmas temáticas, é uma proposta, no mínimo, complicada. Porém, por meio dessa abordagem, é feita uma análise psicológica da maneira como as pessoas, as nações e corporações se desenvolvem como parte de uma espiral.
Nossos valores e ações são baseados nos tempos e nas condições em que nos encontramos. Não existe uma hierarquia de “melhor”. Todos são níveis necessários, emergentes com base nas circunstâncias de nossas vidas. A premissa principal é transcender e incluir, não rejeitar, suas origens e afins.
Tanto a inteligência existencial quanto a dinâmica espiral envolvem um conhecimento intrínseco ao ser humano e uma necessidade de analisar de maneira adequada o momento em que cada indivíduo, grupo ou sociedade se encontra. É uma tarefa árdua e constante, mas que traz como retorno um entendimento maior da vida e a capacidade de lidar com ela de uma maneira mais resiliente.
* Wilson Monteiro é pesquisador em neuroantropologia, sociologia existencial e psicotecnologias
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