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Esquema de corrupção nos EUA forjava indenizações contra a indústria de amianto

Ministério Público de Nova York denuncia presidente da Assembleia Legislativa, Sheldon Silver, advogados e um médico e pesquisador do Centro de Mesotelioma da Universidade de Colúmbia

Por Economia & Negócios
Atualização:

Sheldon Silver deixa a corte de Nova York após ser indiciado por acusações de corrupção ( Foto: NYT)

THE NEW YORK TIMES

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NOVA YORK - Na queixa criminal contra Sheldon Silver, ele é identificado simplesmente como "Doutor-1". Mas o dr. Robert N. Taub, que dirigiu um centro da Universidade Columbia dedicado à cura de um tipo raro de câncer provocado pelo amianto, não é um doutor qualquer.

Com a reputação de clínico dedicado à experimentação com tratamentos inovadores, Taub é considerado uma espécie de herói no universo do mesotelioma, tipo devastador de câncer que é quase sempre fatal. Especialista em casos abdominais, manifestação particularmente nociva da doença, Taub, de 78 anos, atraiu pacientes de todo o país e do mundo em busca de uma última chance.

O oncologista calvo de gravata borboleta pareceria assim o mais improvável candidato a se envolver numa acusação criminal que pode levar à derrocada de Silver, que foi presidente da câmara dos deputados estaduais de Nova York por anos e continua sendo um dos políticos mais poderosos do estado.

Mas Taub ficou obcecado com a captação de recursos para a pesquisa do mesotelioma, de acordo com colegas atuais e anteriores.

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Parece que isso ajudou a colocar em movimento a cadeia de eventos que culminou com a submissão de Silver aos agentes federais na quinta feira e a perda do cargo do doutor na sexta feira. Os promotores dizem que Taub indicava seus pacientes a um escritório de advocacia que empregava Silver, possibilitando que este ganhasse milhões. Em troca, Silver destinava secretamente dinheiro estadual ao centro do médico.

É muito difícil obter financiamento na área de Taub. O mesotelioma produz tumores que envolvem os órgãos numa casca dura. Mas um número relativamente pequeno de pessoas sofre da doença - são diagnosticados cerca de 3 mil casos ao ano -, e a tendência é diminuir ainda mais, pois os perigos do amianto já são bem conhecidos.

Isso torna a doença uma prioridade distante para o governo e as empresas farmacêuticas. Como resultado, os doutores que tratam o mesotelioma e os advogados especializados em litígio envolvendo danos pessoais decorrentes do amianto desenvolveram ao longo dos anos aquilo que alguns especialistas em ética medicinal descrevem como aliança improvável.

Para os advogados dos querelantes, os pacientes com mesotelioma são um grande prêmio, valendo em média de US$ 1,5 milhão a US$ 2 milhões por caso, de acordo com especialistas jurídicos; casos individuais podem render muito mais. O apetite por clientes assim fica evidente para quem quer que tenha assistido aos anúncios baratos voltados para as vítimas da doença que passam durante a madrugada na TV americana.

Os médicos especializados no tratamento do mesotelioma podem oferecer aos escritórios de advocacia um caminho direto para o pote de ouro, e por isso os peritos os cortejam implacavelmente, com convites para jantar, ingressos para jogos de beisebol e ofertas para trabalhar em casos. Alguns médicos, por sua vez, criaram centros de pesquisa e pediram aos advogados que contribuíssem.

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Formou-se uma relação simbiótica, com advogados financiando a pesquisa da doença para médicos que encaminham a eles um fluxo de clientes potencialmente lucrativos.

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Em 2002, Taub criou um dos poucos centros de pesquisa em mesotelioma dos EUA, o Cento de Mesotelioma da Universidade Columbia. Também se manteve ativo numa organização de captava dinheiro para a pesquisa, ocupando um lugar no conselho de orientação científica de uma das poucas organizações sem fins lucrativos criadas para ajudar as vítimas, a Fundação de Pesquisa Aplicada em Mesotelioma. A fundação, que concede bolsas de pesquisa, depende muito das doações de escritórios de advocacia.

Mais ou menos na mesma época em 2002, o democrata Silver, de Manhattan, se tornou sócio da Weitz & Luxenberg, um dos maiores escritórios de advocacia especializados em danos pessoais, que diz lidar com 500 casos anuais de mesotelioma ou doenças ligadas ao amianto. As raízes do escritório remontam ao estaleiro da marinha no Brooklyn. Perry Weitz, fundador do escritório, obteve US$ 75 milhões para três dúzias de operários que ficaram doentes depois de trabalharem nas caldeiras revestidas de amianto do local. Como é costume nesses casos, o escritório ficou com cerca de um terço da soma sob a forma de taxas de contingência.

De pacientes a querelantes. A partir de seu trabalho com a fundação de pacientes, Taub sabia que a Weitz & Luxenberg se destacava entre os principais escritórios de advocacia especializados em casos envolvendo amianto por ter oferecido pouco apoio financeiro à pesquisa.

Não se sabe ao certo quando ele e Silver se conheceram - um amigo em comum os apresentou, diz a queixa. Ambos são judeus ortodoxos e se formaram na Universidade Yeshiva, embora Taub seja oito anos mais velho do que Silver. Apesar das solicitações de Taub, Silver disse a ele que o escritório não poderia fazer doações. Mas, posteriormente, Silver pediu a Taub que começasse a encaminhar pacientes para o escritório da Weitz. O médico atendeu ao pedido, ansioso por cair nas graças do poderoso presidente da câmara dos deputados estaduais e atrair dinheiro para sua pesquisa, diz a queixa.

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O primeiro cliente foi encaminhado por Taub em novembro de 2003. E conforme a Weitz & Luxenberg era remunerada pelos casos, a renda do escritório de advocacia de Silver aumentou. Em 2005, centenas de milhares de dólares em taxas de encaminhamento de cliente eram remetidos à conta bancária de Silver pelo escritório W&L.

Silver se apropriou indevidamente de aproximadamente US$ 4 milhões de dois escritórios de advocacia diferentes - W&L e um escritório especializado em imóveis, de acordo com a promotoria. A queixa indica que a maior parte do dinheiro ilícito veio do escritório W&L, que pagou a ele mais de US$ 5 milhões.

Weitz disse que Silver, dono de uma sala no endereço principal, mandava apenas quatro ou cinco casos por ano ao escritório, mas cada um tinha o potencial de ser imensamente valioso.

"Shelly sempre trazia um caso de danos pessoais", disse Weitz, cuja firma não é acusada de irregularidades. "Os advogados conhecidos pela comunidade tendem a ser procurados quando alguém tem problemas."

Mas a queixa diz que Silver encaminhou mais de 100 clientes ao escritório ao longo de 11 anos, em sua maioria casos de litígio envolvendo amianto. Os promotores disseram nunca ter se reunido pessoalmente com esses clientes, limitando-se a repassar nomes e números de telefone.

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Pouco depois de Taub ter começado a encaminhar pacientes, Silver disse a ele que escrevesse uma carta solicitando financiamento do estado para sua pesquisa. O médico seguiu essa orientação.

Taub continuou a encaminhar pacientes para Silver, de acordo com os documentos do tribunal. E Silver continuou a oferecer favores a ele./Tradução: Augusto Calil

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