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'Juros do Brasil fazem agiota americano sentir vergonha', diz NYT

Sucesso das lojas de penhores é sinal de que a orgia de endividamento dos consumidores do País está chegando ao limite

Por Economia & Negócios
Atualização:

Dan Horch THE NEW YORK TIMES

A aposentada Carmelita Valente aguarda avaliação de suas jóias na CEF: alternativa aos juros altos (NYT) Foto: Estadão

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Os juros praticados no Brasil fariam um agiota americano sentir vergonha. Os cartões de crédito cobram mais de 240% ao ano. Empréstimos bancários ultrapassam os 100%. Para um número cada vez maior de consumidores que precisam de dinheiro, a loja de penhores é a melhor opção.

Quando a dona de casa Ângela Pereira, de São Paulo, precisou de dinheiro extra para comprar o material escolar da filha, ela penhorou uma corrente de ouro para receber R$ 530. Ajustando para a alta inflação do país, ela pagará juros de apenas cerca de 19%, um pouco mais do que o americano comum costuma pagar no cartão de crédito. "É acessível e barato", disse ela.

O crescente sucesso das lojas de penhores é o mais recente sinal de que a orgia de endividamento dos consumidores do país pode estar chegando ao limite.

O inchaço da classe média brasileira - e dos seus hábitos de consumo - ajudou a alimentar a economia em geral durante anos. Mas o crescimento está desacelerando, e os consumidores lutam para pagar suas contas. A economia enfraquecida foi um ponto inflamável na recente eleição, vencida por pequena margem pela atual presidente Dilma Rousseff no segundo turno.

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O banco central elevou os juros novamente, na tentativa de combater a inflação. Mas isso pode pesar no crescimento e complicar ainda mais o panorama do endividamento do consumidor.

Embora ainda representem uma parcela relativamente pequena do setor de crédito, as lojas de penhores têm prosperado, mesmo num momento em que outros tipos de empréstimo parecem pouco atrativos. Alguns brasileiros, mesmo aqueles firmemente instalados na classe média, estão usando as lojas de penhores para quitar as dívidas do cartão de crédito, cobrir despesas inesperadas ou simplesmente acessar uma linha de crédito mais barata.

Gerente da CEF em São Paulo com objetos penhorados por clientes (NYT) Foto: Estadão

Getúlio. Diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, as lojas de penhores brasileiras são regulamentadas no nível nacional. Em vez de atuarem independentemente e definirem seus próprios juros e regras, as lojas de penhores são operadas pela Caixa Econômica Federal, de propriedade do governo.

A rigorosa supervisão é legado da presidência de Getúlio Vargas, que tomou o poder nos anos 1930 durante um golpe militar e demonstrava simpatia pelo fascismo europeu. Mas ele também apresentou reformas progressistas, incluindo a jornada de trabalho de 8 horas diárias. Como parte de sua tentativa de baixar os juros, ele aboliu as lojas de penhores particulares em 1934, conferindo o monopólio do setor à Caixa.

Como ocorre com qualquer outro banco, as agências da Caixa têm fileiras de caixas eletrônicos; atendentes para a abertura de contas, solicitações de crédito e hipotecas; e caixas que recebem depósitos e fazem saques. Mas, em 463 das agências da Caixa, há uma fileira de caixas com balanças e ferramentas de joalheiro para pesar e testar metais preciosos, joias e relógios de luxo.

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Após a inspeção, o caixa oferece um empréstimo imediatamente, em geral com valor equivalente a 85% do item penhorado. O caixa não faz perguntas sobre o emprego, a renda ou o histórico de crédito do solicitante - basta nome, endereço e cadastro de pessoa física.

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O superintendente nacional da Caixa para finanças do consumidor, João Régis Magalhães, disse ser apenas lógico que as lojas de penhores oferecessem juros mais baixos do que outros tipos de crédito: "a operação é simples, incorrendo em poucos custos, e o risco é muito baixo, porque temos uma garantia de retorno do dinheiro".

O crescimento do crédito oferecido pelas lojas de penhores segue em certos aspectos o boom geral no endividamento dos lares. De junho de 2004 a junho de 2014, o crédito ao consumidor brasileiro aumentou 658%, chegando a US$ 297 bilhões, de acordo com a Associação Nacional de Executivos das Finanças, Administração e Contabilidade. O portfólio de empréstimos oferecidos por penhoras pela Caixa mais do que dobrou nos quatro anos mais recentes, chegando a US$ 670 milhões, com 1,3 milhão de empréstimos em aberto.

As consequências negativas da orgia de crédito foram mais dolorosas em outros tipos de empréstimo. O Banco Central informa que 6,7% dos empréstimos bancários pessoais e 26,3% das contas de cartão de crédito estão em situação de inadimplência. Em comparação, a Caixa disse que apenas 0,6% dos clientes que penhoraram seus bens deixaram de pagar em dia.

Enquanto outras formas de crédito tiveram desaceleração, os empréstimos por penhora continuam a crescer rapidamente. A Caixa planeja dobrar o número de agências que oferecem esse tipo de empréstimo até o final de 2015. Marianne Hanson, economista da Confederação Nacional do Comércio, disse que muitos lares de baixa renda para os quais o crédito era uma novidade anos atrás "estão agora aprendendo como funcionam os juros e, com isso, procuram a alternativa mais barata".

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O crédito que exige alguma forma de garantia colateral, como a penhora, se encaixa nessa descrição, disse ela. E até os lares de classe média estão procurando as lojas de penhores para romper o ciclo do endividamento. No início da década, a coordenadora de eventos Arianna França, que trabalha para o judiciário do Estado de São Paulo, enfrentou uma emergência médica. O seguro de saúde do pai não cobriu todos os procedimentos necessários para tratar do câncer dele.

Como servidora civil, Arianna tinha a opção de recorrer ao chamado crédito consignado. Nos empréstimos desse tipo, o empregador do devedor desconta automaticamente do salário a quantia devida a cada mês, e os juros são semelhante aos de uma penhora.

Mas, como muitos outros servidores civis e pensionistas, Arianne já estava gastando mais de 30% da renda no pagamento de empréstimos consignados - o limite permitido pela lei. "Há tanto crédito disponível que a pessoa simplesmente compra mais e mais. Isso pode se tornar um problema", disse ela.

Seus cartões de crédito também chegaram rapidamente ao limite. Com frequência, o pagamento mínimo mensal exigido para os cartões de crédito no Brasil não basta para impedir que a dívida aumente.

Assim, dois anos atrás, ela penhorou as joias e conseguiu R$ 40 mil para pagar os cartões de crédito. Os juros são baixos o bastante para que ela possa pagar o principal da dívida, e as joias devem voltar ao seu poder no ano que vem. Embora possam proporcionar recursos muito necessários, as penhoras também trazem riscos.

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Funcionária da CEF em São Paulo examina corrente de cliente ( Foto: NYT)

Vício. Faz anos que a terapeuta holística Valéria Ferraz, de São Paulo, penhora as joias para ajudar a pagar as contas quando os negócios vão mal, recuperando-as quando os clientes retornam.

"A dinâmica se torna viciante", disse ela. "É tão fácil obter dinheiro extra que às vezes faço isso mesmo sem precisar de verdade." Valéria admitiu ter perdido um anel de ouro com diamantes certa vez por não ter pago em dia os juros da penhora.

Quando um cliente se torna inadimplente, a Caixa exibe o item penhorado em sua página da internet. Os interessados podem dar lances usando os caixas eletrônicos do banco. Se o valor captado no leilão for superior à dívida do cliente, este recebe a diferença.

Mas, como a Caixa avalia as joias apenas com base na matéria prima, sem levar em consideração o trabalho de ourivesaria, o preço de leilão raramente reflete o verdadeiro valor das peças.

O presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros, Reinaldo Domingos, disse que as lojas de penhoras podem ser menos caras que outras opções, mas não são baratas.

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"Para muitos, a bola de neve não para de crescer", disse ele. Mas, para aqueles que mantêm sob controle os empréstimos e dívidas, as penhoras podem substituir o cartão de crédito e seus altos juros.

A assistente administrativa Carmelita Valente, de São Paulo, hoje aposentada, penhorou anéis, colares, um pingente e brincos para ajudar a pagar as despesas do lar após a morte do marido, em 1992. Desde então, Carmelita nunca se tornou inadimplente. Mas não conseguiu recuperar os bens penhorados. Em vez disso, faz 22 anos que ela usa a penhora como linha de crédito.

Com base no valor de seus itens, a Caixa permite que ela tome emprestados até R$ 4 mil, mas raramente ela precisa de tanto. "Juntei algum dinheiro meses atrás e quitei R$ 1.200. Mas, no mês passado, tomei emprestados R$ 600 para pagar por consertos na casa. Tudo depende de minhas necessidades do mês", disse Carmelita. Atualmente, ela deve R$ 2.300,00.

A aposentada sabe que o melhor seria não tomar empréstimo nenhum. "Minha filha sempre diz que estou apenas sustentando o banco", conta ela. Mas, com a renda mensal, ela não consegue poupar para arcar com despesas inesperadas. /Tradução de Augusto Calil

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