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Mailson: Como funciona a história da crise mundial

Causa da última desaceleração pode ter sido psicológica e sociológica

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Por Carla Miranda
Atualização:

 

Indicações de enfraquecimento da economia mundial têm levado muitos a indagar sobre o seu desempenho nos próximos anos. Estamos enfrentando uma recessão mundial ou uma depressão? Para Robert J. Shiller, prêmio Nobel de Economia, fazer projeções se tornou um problema, pois a causa última da desaceleração econômica é psicológica e sociológica. Tem a ver com as variações na confiança e com as mudanças no "espírito animal" dos empresários. Esse é o tema de seu artigo no Project Syndicate.

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Shiller alude a relatório recente da OCDE, escrito por Pier Carlos Padoan, que menciona "riscos significativos" para a economia mundial no curto prazo. O problema, diz Shiller, é que "os modelos estatísticos que compõem o instrumental dos economistas são mais bem aplicados em tempos normais." Se a atual recessão é típica de outras recessões das últimas décadas, poderemos prever  o mesmo tipo de recuperação".

Em artigo recente, James Stock, da Universidade Harvard, e Mark Waston, da Universidade Princeton, apresentaram um novo "modelo de fator dinâmico", que reduz as fontes de todas as recessões a apenas seis choques: "petróleo, política monetária, produtividade, incerteza, liquidez/risco financeiro e política fiscal". Muito da desaceleração pós 2007 teria vindo de dois desses fatores: "incerteza e liquidez/risco financeiro". Mesmo se aceitarmos tais conclusões, diz Shiller, é preciso indagar a origem de grandes choques causadores de "incerteza" e "liquidez/risco financeiro" nos últimos anos e se tais choques podem ser previstos de forma confiável. "Quando se consideram evidências de choques econômicos de um ou dois anos atrás, o que emerge são histórias cujo significado preciso é desconhecido", diz ele.

Tem-se falado que a crise financeira europeia é o risco mais importante para a economia mundial. Shiller acha que isso é improvável. "Por que a crise europeia seria tão importante para o resto do mundo?", pergunta. Parte da explicação, diz ele, é o crescimento dos mercados comercial e financeiro. Ocorre, prossegue, "que conexões entre países não decorrem apenas do impacto direto dos preços. É provável que a interação da psicologia também exerça certo papel". Os psicólogos destacam que existe uma história básica para o modo de pensar dos indivíduos, que se recordam e são motivados por "situações vividas por pessoas reais. Relatos populares tendem a levar as pessoas a imaginar que maus resultados refletem algum tipo de perda de determinação moral".

A crise europeia começou com a história dos problemas da Grécia, parecendo que toda a economia mundial está ameaçada por eventos em um país de 11 milhões de habitantes. Mas a importância econômica de histórias como essa guarda pouca relação com seu valor monetário. "Depende, ao contrário, do valor da história". A história da crise grega começou com a notícia de amplos protestos e greves quando o governo propôs aumentar a idade de aposentadoria para enfrentar o problema do déficit previdenciário. "A história poderia ter ganho alguma atenção fora da Grécia, mas isso não aconteceu até o fim de 2009, quando o mercado da dívida pública grega começou a ficar crescentemente instável e o aumento da taxa de juros trouxe problemas adicionais para o governo".

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Pode-se dizer, assinala Shiller, que fora da Europa poucos estavam acompanhando a crise europeia e que os menos informados sequer haviam ouvido falar nela. "Mas os líderes de opinião e os parentes e amigos dos menos informados em cada país estavam ligados e sua influência pode criar um ambiente em que todos desejam consumir menos. A história grega parece conectada, na mente das pessoas, com as histórias das bolhas imobiliárias e das bolsas de valores de 2007, que precederam a crise atual."  Essas bolhas foram infladas por padrões negligentes de concessão de crédito e excessiva disposição para tomar empréstimos, o que parece semelhante ao endividamento do governo grego para pagar aposentadorias irresponsáveis. "Assim, as pessoas vêm a crise grega não como uma metáfora, mas também como uma narrativa moral. A consequência foi o apoio a programas de austeridade fiscal, que pioram a situação.

"A história europeia está aí, vívida ao redor do mundo. Mesmo que a crise da zona do euro possa ser resolvida satisfatoriamente, ela não será esquecida até que uma nova história desvie a atenção da opinião pública. Assim, como agora, não entenderemos as perspectivas da economia mundial sem considerar a história que frequenta a mente das pessoas".

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* Mailson da Nóbrega foi ministro da Fazenda (1988 a 1990) e hoje é sócio da Tendências Consultoria Integrada e membro de conselhos de administração de empresas no Brasil e no exterior. Ele colabora com o Radar Econômico comentando artigos e reportagens da imprensa internacional.

Blog: http://mailsondanobrega.com.br/blog/

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