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Mailson: Quem deve sair do euro?

Tentar restabelecer moedas antigas é o mesmo que fazer voltar a pasta de dentes ao tubo

Por Carla Miranda
Atualização:

 

A ideia de que a Grécia precisa sair do euro para restaurar sua capacidade de crescer é defendida por muitos economistas. Com o abandono da moeda única, o país poderia restaurar a dracma e desvalorizá-la, aumentando a competitividade dos produtos gregos. A proposta tem o apoio de intelectuais proeminentes como Martin Feldstein, Ken Rodgoff e Nouriel Rubini. Aqui no Brasil também, quem apoia a ideia é o ex-ministro Bresser Pereira. Neste domingo, segundo o serviço Broadcast da Agência Estado, o secretário-geral da Unctad, Supachai Panitchpakdi, foi mais longe. Propôs simplesmente que os países membros da zona do euro tenham permissão para abandoná-la e a ela aderir novamente.

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A proposta do representante da Unctad é a mais tonta de todas que já vi. O Tratado de Maastricht, que dispõe sobre a criação do euro, não prevê a chamada "cláusula de escape". Quem entrar no euro o faz em princípio para sempre. Isso é fundamental para evitar incertezas e para assinalar o compromisso de cada um com o futuro da união monetária. Se fosse possível sair ao bel prazer de cada um, o euro não teria futuro. Quem compraria a moeda sabendo que ela pode até mesmo desaparecer no caso extremo da saída de todos? Mais, voltar às moedas antigas criaria riscos gigantescos. A percepção imediata seria a de que a velha moeda se desvalorizaria, o que poderia disparar uma corrida bancária e grave crise financeira. Como disse a revista The Economist, tentar restabelecer moedas antigas é o mesmo que desejar fazer voltar a pasta de dentes ao tubo.

Vejamos o caso da Grécia. Foi publicado por estes dias um dos melhores artigos que já li sobre os custos do abandono do euro pelos gregos, de autoria de Miranda Xafa (leia aqui). Invocando recente artigo de Barry Eichengreen, ela lembra que a saída do euro traria todos os ônus e nenhum bônus para a Grécia. A desvalorização apenas aumentaria o peso da dívida grega sem resolver seu problema de competitividade, "que tem raízes essencialmente nas barreiras regulatórias à concorrência, em práticas trabalhistas restritivas e na burocracia, que aumenta o custo de fazer negócios".

A Grécia, diz Xafa, é mais altamente regulada economia da OCDE. Pisos salariais são estabelecidos por lei em muitas profissões (advogados, engenheiros, contadores, farmacêuticos). Regras de licenciamento cria barreiras à entrada em outras (transporte por caminhões). "Custa menos transportar produtos agrícolas da América Central para a Grécia por navio do que transportá-los dentro do país por caminhão." Contratos de trabalho estabelecem salários e benefícios no piloto automático sem relação com a produtividade e desempenho. "Nenhum nível de desvalorização eliminará essas distorções".

Daí, continua, a procedência das reformas estruturais previstas nos programas de financiamento do FMI e da União Europeia. As mudanças visam a introduzir flexibilidade no mercado de trabalho e a intensificar a concorrência no mercado de bens e serviços. "De fato, o programa grego se parece com o plano para reformar o bloco soviético nos anos 1990. Isso inclui privatização, reforma administrativa, reforma dos mercados de trabalho e de produtos e a recapitalização dos bancos, para assegurar que a reestruturação da dívida não desestabilize o sistema financeiro".

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Levou muito tempo para a Grécia se enredar na bagunça e levará muito tempo para sair dela. "A adesão ao euro em 2001 criou o equivocada impressão de que o padrão de vida grego poderia convergir para a média da zona do euro em um gigantesco salto, mediante um boom de consumo financiado por crédito e aumentos salariais incompatíveis com ganhos de produtividade. A eliminação do risco cambial reduziu as taxas de juros para mínimos históricos, enquanto os mercados esqueceram o risco de crédito. O 'dividendo do euro' que causou a queda da taxa de juros não foi utilizado para promover reformas".

Assim, prossegue a economista, "os recursos migraram dos setores internacionalmente competitivos, que são tomadores de preços, para os setores protegidos crescentemente lucrativos, tais como construção e varejo. Em consequência, o déficit em conta-corrente alcançou 16 bilhões de euros em 2009 (11% do PIB),caindo marginalmente em 2011 para 21 bilhões de euros (9,7% do PIB).Um retorno à dracma não aliviaria as distorções da economia grega. O calote adicional na dívida imporia a necessidade de controlar importações essenciais e o congelamento dos depósitos bancários para evitar a corrida aos bancos. "O ponto é que a renda e a riqueza da Grécia cairá muito, independentemente de o país deixar ou não o euro. "A escolha é entre recessão com inflação e recessão sem inflação".

"Nenhum país promoveu a desvalorização cambial como uma via para a prosperidade. Desequilíbrios e distorções que têm a ver com a economia real não podem ser enfrentados com instrumentos monetários". As ferrovias gregas têm mais empregados do que passageiros. Tais problemas não constituem, diz Xafa, um falha de funcionamento da união monetária, mas de funcionamento dos mercados.

"Se a Grécia sair da zona do euro, o ajustamento inevitável para um padrão de vida mais baixo ocorrerá de forma injusta pela inflação. "Os grupos de baixa renda são os mais expostos, pois não têm contas em moeda estrangeira ou outros ativos protegidos da inflação". Custa crer que o secretário geral da Unctad não esteja atento a esses riscos.

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* Mailson da Nóbrega foi ministro da Fazenda (1988 a 1990) e hoje é sócio da Tendências Consultoria Integrada e membro de conselhos de administração de empresas no Brasil e no exterior. Ele colabora com o Radar Econômico às segundas-feiras, comentando artigos e reportagens da imprensa internacional.

Blog: http://mailsondanobrega.com.br/blog/

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