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Mailson: Salvar governos é novo papel do BC Europeu?

A autoridade monetária da zona do euro pode ter que assumir essa nova função

Por Carla Miranda
Atualização:

"A crise europeia tem dois componentes neste momento: (1) uma crise de dívida soberana. O nível de endividamento de países como Grécia, Portugal e Irlanda (e provavelmente Itália e Espanha) é insustentável, o que vai exigir, pelo menos para os três primeiros, alguma forma de renegociação que inclua um substancial desconto; (2) uma crise financeira, que vem desde 2008 e agora ameaça se agravar de forma catastrófica caso haja a quebra de um grande banco na região, como resultado de perdas, atuais ou potenciais, diante de eventual calote desses países. Enquanto o momento da reestruturação das dívidas soberanas não chega, a discussão tem girado em torno de esforços para cortar gastos, aumentar receitas e assim promover a redução progressiva da relação entre a dívida e o PIB dos devedores mais encrencados. Mesmo assim, a crise de confiança que atingiu aqueles três países se propagou para a Itália e a Espanha. Tudo isso tem realçado a conveniência de a zona do euro dar um novo passo, qual seja, o da união fiscal. Poucos duvidam de que foi um erro lançar e expandir a moeda única, o euro, sem o mínimo de coordenação fiscal. Acontece que essa união fiscal depende da superação de complexos obstáculos políticos (questões como soberania, principalmente), o que requer liderança política em grau não disponível neste momento. Enquanto a união fiscal não vem, muitos sugerem a emissão do bônus europeu, garantido por todos os membros da zona do euro. Claro, os novos títulos eliminariam rapidamente o risco de calote. A medida significaria uma redução dos custos da dívida dos países problemáticos e uma elevação para os demais, particularmente a Alemanha. Este é o problema. O eleitor alemão não aceita pagar o preço do resgate de países que consideram fiscalmente irresponsáveis. E a chanceler Angela Merkel não consegue convencê-los que a estabilidade da Europa é também do interesse dos alemães. Um colapso do euro custaria caro a todos. Uma outra discussão tem ganho corpo nos últimos dias, a de transformar o Banco Central Europeu (BCE) em comprador de última instância de títulos dos países problemáticos, via mercado secundário. O BCE fez isso com papéis da Itália, o que permitiu reduzir sua taxa de juros, de 6% para 5%. Parou de fazê-lo e a taxa subiu para 5,5%. Analistas estão sugerindo, a meu ver com razão, que o BCE garanta ilimitadamente o resgate dos títulos emitidos por membros da zona do euro. Desde o século XIX, se firmou o entendimento de que o banco central deve prover liquidez ilimitada a bancos que sofrem problemas de confiança, para evitar que a crise de liquidez evolua para a insolvência e daí para uma crise bancária sistêmica, que paralisaria o crédito e jogaria a atividade econômica e o emprego no chão. O mesmo raciocínio se aplicaria a países de uma união monetária como a europeia. Se um dos membros, como a Itália, não conseguir vender seus papéis em face de uma crise de confiança, o processo tende a extravasar, provocando uma corrida para desfazer-se dos papéis do que se imagina seja o próximo (o que dificultaria a colocação de novos e a rolagem da dívida). Os devedores seriam forçados ao calote, com as mesmas consequências sociais e econômicas de uma crise bancária. Este é o tema do artigo de Sebastian Mallaby, no 'Financial Times'. Mallaby saúda a recente decisão dos bancos centrais dos Estados Unidos, do Japão, do Reino Unido e da Suíça, de garantir o fornecimento ilimitado de dólares para bancos europeus. Medida semelhante foi adotada em 2008, para resolver o problema da paralisia do mercado interbancário, que ameaçava levar ao colapso todo o sistema financeiro, com repercussões dramáticas. Há sinais de que essa paralisia começa a acontecer na Europa. O autor assinala a ação do BCE na compra de títulos públicos italianos e lamenta que a operação tenha sido suspensa. Mas seu ponto básico é realçar que a ação para salvar os bancos de um desastre deveria ser a mesma em relação aos países. Esse papel seria desempenhado pelo BCE. 'Por que o BCE não faz para os governos europeus o que alegremente faz para os bancos europeus?' Sua resposta: 'Porque a Alemanha, particularmente seu banco central, se opõe à compra de papéis governamentais pelo BCE'. Não há justificativa plausível, assinala, para essa posição ultraconservadora. Para Mallaby, 'a melhor explicação para a posição da Alemanha é que, sendo maluco o suficiente para permitir a falência da Itália e da Espanha, o banco central pode aterrorizar os políticos e levá-los a cortar o déficit.' Para ele, considerando os níveis de desemprego atual, esforços adicionais de austeridade fiscal 'não são economicamente sensatas nem politicamente defensáveis'. Ele espera que, com alguma sorte, o envolvimento de autoridades fora da Europa (o secretário do Tesouro americano tem estado participando de reuniões e debates por lá), pode ajudar os alemães e seus vizinhos a sair desse beco sem saída. 'Assim como o resgate de bancos deve consistir do provimento de liquidez sem condicionalidades, assim deveria acontecer, goste-se ou não, com o resgate de títulos públicos. Salvar estados ineficientes pode não ter apelo popular, mas o mesmo se pode dizer do salvamento de bancos. Quanto mais o BCE hesita, maior será o custo do resgate no longo prazo.'"

* Mailson da Nóbrega foi ministro da Fazenda (1988 a 1990) e hoje é sócio da Tendências Consultoria Integrada e membro de conselhos de administração de empresas no Brasil e no exterior. Ele colabora com o Radar Econômico comentando artigos e reportagens da imprensa internacional.

Blog: http://mailsondanobrega.com.br/blog/

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