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Opinião: EUA promovem guerra entre ricos e pobres

Proposta de Obama pune os mais endinheirados; da oposição, os mais carentes

Por Carla Miranda
Atualização:

O artigo é uma indicação de Mailson da Nóbrega* (foto), que comenta abaixo:

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"Um novo alerta sobre o risco fiscal dos EUA "Continua repercutindo o alerta da Standard and Poor's (S&P) sobre a situação fiscal americana. Semana passada, como se recorda, a agência de classificação de risco colocou o rating dos títulos do Tesouro, que gozam da pontuação máxima (AAA), em perspectiva negativa. Se em dois anos não houver uma saída para o excessivo endividamento, a classificação será rebaixada. Poucos levaram muito a sério a advertência. A S&P havia feito o mesmo em relação aos títulos do Tesouro britânico. Após as medidas fiscais do novo governo, a agência reafirmou a classificação AAA. Como disse a revista 'The Economist' desta semana 'os investidores em títulos do Tesouro americano não ligam para o que pensa a S&P, preferindo preocupar-se com assuntos como inflação, crescimento, política monetária e apelo relativo de outros ativos'. A situação fiscal americana tem sido objeto de renhido embate entre o governo democrata de Barack Obama e a oposição republicana. Os dois lados querem um ajuste fiscal para reduzir a relação entre a dívida pública e o PIB em certo período de tempo. Acontece que os democratas preferem uma combinação de aumento de tributos e redução de gastos. Os republicanos propõem concentrar o ajuste nos cortes. David Stockman acaba de fazer um duro alerta aos dois lados. O ex-diretor do Escritório de Administração e Orçamento da Casa Branca (uma espécie de Ministério do Planejamento) expôs suas ideias em artigo do último sábado no 'New York Times'. Stockman assinala que o debate se baseia nas transformações da economia americana nos últimos anos, provocadas por políticas públicas. Seu principal efeito foi aumentar a fatia dos mais ricos na riqueza, de 21% em 1979 para 35% atualmente, enquanto no mesmo período sua participação na renda dobrou, para 20%. A culpa, diz ele, cabe aos juros muito baixos praticados pelo Federal Reserve e à baixa tributação dos ganhos de capital. O resultado foi um Robin Hood ao contrário. Os especuladores do mercado financeiro foram os grandes ganhadores. Para ele, Obama erra ao concentrar sua proposta de aumento da tributação nos 2% dos contribuintes mais ricos. O presidente estaria travando uma guerra de classes que seria a pior desde o presidente Roosevelt. Enquanto isso, o deputado republicano Paul Ryan, autor da proposta de cortes, não se dá conta de que já não se vive o velho capitalismo, no qual o credo da baixa tributação e nos incentivos à criação de riqueza faziam certo sentido. Por isso, Ryan propõe cortar despesas no valor de US$ 1,5 trilhão, mas a medida não afetaria os US$ 700 bilhões do orçamento de defesa, nem o US$ 1,7 trilhão da Previdência e do Medicare. Assim, restariam apenas US$ 7 trilhões nos quais incidiriam os cortes (ou 20% desse montante). Acontece que esse valor inclui o Medicaid (programa de saúde dos pobres) e os gastos sociais em favor dos menos favorecidos. Em resumo, Obama atacaria os mais ricos, enquanto Ryan prejudicaria os mais pobres. Assim, se o presidente convidou a oposição para uma guerra, os republicanos enviaram o sinal convencional de convites sociais: "aceito". Os dois lados, prossegue Stockman, esquecem, entre outras coisas, que os EUA não têm o direito divino de ampliar a dívida pública a um nível capaz de satisfazer as conveniências ideológicas de cada um dos partidos. Os democratas estariam paralisados porque os keynesianos insistem que é preciso continuar gastando até que a "demanda" cíclica esteja completamente recuperada (esta tem sido, incidentalmente, a posição do economista Paul Krugman, notório democrata). Já os republicanos fincam pé porque seus ideólogos (os supply-siders) insistem em deixar o déficit aumentar até que a redução de tributos provoque a alegada elevação de receitas. Nos cálculos de Stockman, a proposta de Ryan pioraria em US$ 1 trilhão o déficit estrutural do Orçamento. O plano de Obama, que geraria receitas de US$ 70 bilhões extraídas dos mais ricos e talvez mais US$ 30 bilhões de uma tardia promessa de rever o orçamento da defesa, não passaria de uma ninharia. Ryan quer atacar os pobres, quando deveria mirar os gastos de defesa e os que beneficiam a classe média. Obama busca recursos nos mais ricos, quando deveria pensar em tributar a tributação de todos, o que na sua opinião é inevitável diante da elevação dos gastos sociais. Enquanto isso, adverte Stockman, os mercados globais de títulos já começam a tremer e uma crise fiscal está à vista. Mesmo que o ex-diretor do Orçamento exagere, ele não deixa de ter certa razão. Para a The Economist , Obama espera que haverá um acordo sobre metas fiscais de longo prazo e sobre gatilhos, o que permitiria cortar gastos e elevar tributos, reservando as decisões mais difíceis para depois das eleições presidenciais de 2012. O pior dificilmente acontecerá, mas, qualquer que seja o resultado final das batalhas em curso, é certo que a história americana recente não registra uma situação fiscal tão periclitante.

Leia o artigo de David Stockman no site do "New York Times" (em inglês)

* Mailson da Nóbrega foi ministro da Fazenda (1988 a 1990) e hoje é sócio da Tendências Consultoria Integrada e membro de conselhos de administração de empresas no Brasil e no exterior. Ele colabora com o Radar Econômico, indicando artigos, reportagens e estudos publicados no exterior.

Blog: http://mailsondanobrega.com.br/blog/

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