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O blog do Caderno de Imóveis

A difícil decisão de comprar um imóvel

Escolher onde descansar sua cabeça é uma história de se apaixonar e conhecer a si mesmo

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Casas no Alto da Boa Vista, na zona sul da capital paulista. Foto: Werther Santanta/Estadão

David Brooks / The New York Times Venho pensando nas grandes decisões na vida: como as pessoas escolhem sua carreira, seu curso na faculdade, sua mulher e uma cidade. Dessas decisões a compra de uma casa é a mais difícil. Difícil emocionalmente. Como muitas decisões importantes, ela é mais emocional do que racional. No geral, as pessoas não escolhem uma casa, mas se apaixonam por ela. Parte dessa paixão é estética: a sensação que você tem em questão de segundos ao entrar em um imóvel de felicidade e de que é o certo. Parte disto é apenas um desejo: quando as pessoas se apaixonam por uma casa não estão na verdade apaixonadas pelas paredes e pelo teto, mas por um belo sonho de uma vida futura. É um processo confuso e misterioso. Quando você compra uma casa está tomando uma decisão financeira importante e estressante baseada em emoções que não consegue controlar, compreender totalmente e nem identificar concretamente. Você entra num  imóvel e começa a se comportar de maneira diferente. Quando percebe está falando consigo mesmo sobre onde vai colocar os móveis; fica na defensiva quando o corretor menciona alguns defeitos da casa; seu ímpeto é fazer alarde do imóvel para os amigos: você caminha à vontade pelos quartos e banheiros, mesmo na primeira visita; tem uma sensação de carência só de pensar em não ter aquela casa. Você está comprando um objeto, mas seu coração repentinamente entrou no jogo. Escolher uma casa é também difícil psicologicamente. Todo o processo o obriga a separar o que acha que quer daquilo que realmente quer. Os corretores dizem que no começo muitas pessoas não sabem o que desejam realmente. Você pode sonhar que é uma pessoa com uma casa extraordinariamente eclética, repleta de objetos belos e exóticos, onde receberá muitas pessoas para grandes jantares e festas e teria uma casa que se tornaria um cruzamento de diversas populações. Mas quando inspeciona as casas que o atraíram percebe que na verdade o que gosta é de privacidade; que não está tão preocupado com o design do interior e passar anos em busca de objetos fascinantes; que na vida real só a ideia de vizinhos aparecendo o deixa exausto; que a sensação de quietude, tranquilidade e privacidade é mais importante do que o caos frenético de uma Grand Central Station. A procura de uma casa é cognitivamente desafiadora. Num determinado ponto as inspeções, as avaliações e a negociação do preço impõem cabeça fria no processo. Você não sabe o que o vendedor está pensando ou de que modo exatamente você será enganado (embora vá acontecer). Num determinado momento sua mente terá de estabelecer limites para seu coração, usando algumas artimanhas mentais para analisar as coisas à distância. Por exemplo: Como tomar decisões importantes quanto à oferta e às condições? Finja que está aconselhando um amigo, não você mesmo. Como saber que tem um quadro geral do mercado e não perdeu uma casa melhor em algum outro lugar? No começo, prometa a si mesmo que visitará um total de 50 imóveis. Visite 18 e não faça nenhuma oferta para algum deles. E depois apresente uma proposta de compra para o imóvel que considerar melhor do que os primeiros 18 que visitou. Como se obrigar a lembrar no meio de uma negociação que é possível voltar atrás? Lembre-se que aquela não é a derradeira opção. Há muitas outras possibilidades no mercado. Finalmente a procura de uma casa é moralmente difícil. É aí que entra Donald Trump. Nós nos tornamos um país ferozmente fragmentado. As pessoas se mudam para perto de pessoas como elas. Cada cidade se torna um gueto cultural ao passo que os americanos se tornam estrangeiros entre si e o tecido social se esfacela. As pessoas se sentem mais tranquilas em seus bairros isolados, mas a segregação é prejudicial para a abertura da mente das pessoas e o país em geral. Em 2017 provavelmente será necessário colocar um ônus moral nas decisões sobre aquisição de imóveis. No processo de procura de uma casa sua atenção se concentra nas coisas erradas. Seu foco está mais nas características da casa e não nas características da sua vida. Pense em todas as pessoas que se apaixonaram por uma casa em lugar distante sem avaliar o custo das viagens de ida e volta do trabalho. Elas têm uma casa feliz, mas uma existência miserável. O foco é nas características da casa e não nas relações sociais que surgirão, que é tudo o que você lembrará décadas depois. Escolher esta ou aquela casa tem um efeito moderado de alegria. Os vizinhos que você escolher e o tecido social no qual vai se integrar são mais importantes do que a estrutura pela qual se apaixonou.

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