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O blog do Caderno de Imóveis

Moradores tentam negociar aluguel em meio à pandemia do coronavírus

Relatando dificuldades financeiras, inquilinos buscam acordos com proprietários; para imobiliárias, casos devem ser analisados individualmente

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Por Isaac de Oliveira
Atualização:

Especial para o Estado

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A crise provocada pela pandemia do novo coronavírus vem gerando novas demandas para o setor imobiliário, ao passo que a situação da economia se agrava no País. Devido a essa nova realidade, inquilinos têm buscado, individual ou coletivamente, negociar o valor do aluguel, em busca de um alívio no orçamento. Do outro lado, proprietários têm se sensibilizado também.

A personal trainer Carolina Conceição, de 40 anos, por exemplo, foi surpreendida por uma ligação da imobiliária, que a informou que o dono do apartamento onde mora, no bairro da Santa Cecília, zona central de São Paulo, reduziu o valor do aluguel à metade nos meses de abril e maio.

"Eu já estava pensando como faria, como seria o diálogo e a proposta. Eu sou personal, então de certa forma eu sou autônoma", conta Carolina. Para ela, a ação do proprietário lhe trouxe alívio. "Foi no dia 17 que me ligaram (da imobiliária). E no fim da mesma semana já começaram os cancelamentos das aulas. Mas eu fiquei bem aliviada, super feliz. Não imaginava mesmo."

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Carolina Conceição foi surpreendida por uma ligação da imobiliária, que a informou que o dono do apartamento onde mora reduziu o valor do aluguel à metade nos meses de abril e maio. Foto: Werther Santana/Estadão

Assim como a personal trainer, é possível encontrar nas redes sociais relatos de quem conseguiu negociar os valores das mensalidades acordadas em contrato. Mas há também moradores com dificuldade em contatar ou chegar a um acordo com os locadores.

Carlos De Nicola, de 29 anos, não teve a mesma sorte de Carolina. Microempreendedor individual (MEI), ele explica que, além de trabalhar como comunicador em uma ONG, também produz e vende redes de náilon. E a queda nas vendas comprometeu o orçamento.

Carlos se juntou a alguns moradores do mesmo prédio onde reside para tentar uma negociação coletiva. Segundo ele, a imobiliária orientou que os casos seriam tratados individualmente.

"Como a crise é sistêmica e atinge a todos, a gente tem de negociar coletivamente. A gente está negociando em um eixo de redução de porcentagem, por três meses. Nós entendemos que assim é mais justo", defende Carlos.

Na última sexta-feira, 3, o Senado aprovou o projeto de lei que estabelece normas de caráter transitório nas relações jurídicas durante o período da pandemia, e que tem impacto direto no setor imobiliário. Pelas novas regras, não será permitida, até 30 de outubro, a desocupação de imóveis urbanos por meio de ações de despejo protocoladas a partir de 20 de março.

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Negociações

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Algumas imobiliárias já começam a notar essa movimentação e afirmam que estão intermediando os diálogos entre locadores e locatários. Além disso, as empresas também têm procurado alternativas para o caso de a demanda aumentar.

O QuintoAndar estuda a possibilidade de liberar pagamento e parcelamento do aluguel por meio do cartão de crédito. "A gente vai começar com isso em breve, mas é um caminho que a gente está estudando", diz Flávia Mussalem, gerente regional da startup.

Assim como outras empresas do ramo, o QuintoAndar notou uma redução na procura por imóveis durante a pandemia. Sobre as negociações, Flávia afirma que a demanda ainda é tímida. "A gente ainda não sentiu uma procura muito alta por esse tipo de negociação, mas a gente supõe que nos próximos dias ela vá vir."

Na imobiliária Lello, a busca por algum tipo de acordo representa 4% da carteira de imóveis locados, sendo que em torno de 70% desse número são de imóveis comerciais. "Tem cliente que mostrou faturamento para o proprietário, para ver se consegue uma negociação um pouquinho melhor", comenta Roseli Hernandes, diretora de locação da Lello.

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Parcelamento, descontos e prorrogação do prazo para pagamento são os pedidos mais recorrentes. Assim como o QuintoAndar, a Lello também tem adotado a política de negociar "caso a caso".

"Se você pegar um ramo de atividade que foi fortemente impactado e colocar aquela decisão para todos, talvez não seja justo (avaliar coletivamente)", avalia Roseli. "Só 4% até agora se manifestou."

A startup CredPago passou a oferecer uma opção de aluguel parcelado em até seis vezes no cartão de crédito, no valor máximo de R$ 5 mil. Acima disso, é necessário fazer uma consulta. O pagamento em até três prestações (abril, maio e junho) não sofre cobrança de juros. Já no parcelamento de quatro a seis vezes, haverá cobrança de 7% sobre o valor total.

Solução no diálogo

Segundo dados da Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC), uma amostra das empresas associadas à entidade revela que, dos cerca de 10.260 imóveis mapeados, 7,2% deles registraram algum princípio de negociação até 1º de abril.

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O professor de Direito Civil da USP Eduardo Tomasevicius Filho defende que a melhor saída neste momento é evitar a judicialização e preferir o diálogo, "porque assegura o interesse de ambos".

"Competiria ao inquilino procurar a imobiliária, o locador, apontando que está com dificuldades no pagamento e pedindo para conversar", aconselha Eduardo.

Sobre os dispositivos legais, que asseguram os direitos dos moradores, o professor sublinha que o Código Civil em seu artigo 478, ao tratar das resoluções por onerosidade excessiva, estabelece que, "se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato".

Eduardo explica que a pandemia se trata, então, de um caso imprevisível, provocado por força maior. O docente lembra que a Lei do Inquilinato, de 1991, é uma lei específica que traz em seu escopo apenas a menção à ação revisional de contrato, que seria uma correção de preço de mercado. O que não se enquadraria na situação atual de pandemia. Assim sendo, aplicam-se as regras do Código Civil.

Para dar maior garantia à negociação, Eduardo ainda frisa que as partes devem incluir no contrato do aluguel um aditamento contratual, no qual deverá ser especificada a mudança no valor da mensalidade, bem como a vigência deste período.

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