Os desafios de um antidumping cambial

O governo brasileiro entregou esta semana uma proposta ousada e polêmica à Organização Mundial de Comércio (OMC) . Criar uma espécie de "antidumping cambial" para proteger os países de desvalorizações competitivas dos parceiros comerciais. O alvo do Brasil não é apenas o yuan chinês, objeto de reclamações permanentes dos empresários brasileiros, mas principalmente os Estados Unidos.

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Por Raquel Landim
Atualização:

Em artigo publicado ontem no prestigioso Financial Times, a presidente Dima Rousseff apontou o dedo diretamente para os americanos. "Economias que emitem moedas que são reservas de valor estão administrando a liquidez internacional sem a noção de bem-estar coletivo. Estão utilizando taxas de câmbio desvalorizadas para manter sua participação nos mercados globais", escreveu Dilma.

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Os EUA estão em vias de jogar mais alguns trilhões de dólares no mercado para tentar estimular sua economia, o que provocaria uma nova onda de desvalorização da moeda. Especificamente nesta semana, o dólar subiu significativamente por causa das incertezas sobre a situação dos bancos europeus, mas o governo brasileiro acredita que isso é passageiro.

O ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, explicou em entrevista exclusiva ao Estado como funcionaria o "antidumping cambial". O Fundo Monetário Internacional (FMI) ou outro órgão determinaria uma banda "aceitável" de flutuação das moedas. Acima desse nível, os países teriam direito a aplicar uma tarifa extra de importação, um  "antidumping ou salvaguarda cambial". Por isso, o Brasil pede a OMC que estude que mecanismos de seus tratados podem ser utilizados para lidar com a questão do câmbio.

A preocupação do Brasil com a "guerra cambial" é pertinente. Antes dessa recente ontem de valorização do dólar, com os investidores fugindo para o ainda "porto seguro", as demais moedas globais estavam subindo velozmente, prejudicando o equilíbrio interno da economia dos países. A situação é tão séria que a conversadora Suíça chegou a anunciar que vai defender um teto para o franco, evitando valorizações excessivas. O problema da proposta brasileira não é a sua motivação, mas a aplicação.

Vai ser complicadíssimo para o FMI ou para qualquer outro órgão internacional determinar o que seria uma banda "aceitável" de flutuação das moedas. O próprio Brasil já tentou adotar um sistema de bandas cambiais, que não funcionou. A determinação dessa banda seria uma intervenção e tanto nos mercados globais e, portanto, na soberania dos países. Por mais que mantenham sua independência sobre a política cambial, todos os países sofreriam com a "espada" do "antidumping cambial" pairando no ar.

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Dilma esteve em Nova York e fez o tradicional discurso de abertura do Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU). Foi a primeira mulher a ter esse privilégio. Com um discurso sóbrio, consistente e com poucas contradições (com exceção da posição do Brasil sobre a primavera árabe) fez sucesso interna e externamente. A iniciativa do "antidumping cambial" também fazia parte da estratégia da presidente de ganhar exposição global. Conseguiu. Se a proposta brasileira vai vingar na OMC, é outra conversa.

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